terça-feira, julho 08, 2008
terça-feira, julho 01, 2008
Previsões
Em Outubro do ano passado, as sondagens realizadas nos Estados Unidos aos votantes prováveis nas primárias do Partido Republicano davam, em média, uma vantagem de 15 pontos a Rudy Giuliani sobre John McCain. Já no início de Janeiro deste ano, Hillary Clinton tinha 18 pontos de vantagem sobre Barack Obama. Entre as elites dos seus partidos (congressistas, senadores e antigos candidatos) Clinton e Giuliani eram, a certa altura, os candidatos que tinham recebido mais manifestações de apoio, apoios esses que, para além dos efeitos positivos que podem ter sobre uma campanha, são também, desde logo, um indicador sempre relevante sobre as expectativas dos insiders do jogo político. O desfecho, contudo, é bem conhecido: McCain e Obama serão, afinal, os principais candidatos às eleições presidenciais americanas.
Lições a retirar? Duas, pelo menos. Uma delas deve ser já aplicada aos actuais resultados das sondagens sobre a corrida para a Casa Branca. Das 16 sondagens realizadas a amostras distintas do eleitorado americano realizadas desde o início de Junho, Obama lidera as intenções de voto em todas menos uma. Na última quinzena, a sua vantagem média em relação a McCain anda pelos sete pontos percentuais. Se contarmos apenas com os estados onde a vantagem de cada candidato nas sondagens é "sólida" (acima dos 15 pontos), Obama lidera confortavelmente no que respeita aos presumíveis membros do Colégio Eleitoral que escolherá formalmente o Presidente em Dezembro, vantagem que se amplifica se tomarmos em conta os estados onde a sua vantagem é tendencial. Contudo, mesmo que a omnipresença das sondagens nas campanhas políticas seja um fenómeno historicamente recente, há já precedentes suficientes para que tenhamos alguma cautela. Em Junho de 1988, Michael Dukakis tinha, nas sondagens, uma vantagem de cerca de oito pontos sobre o candidato republicano. E esse candidato, que veio a ser o presidente George H. W. Bush, tinha, em Junho de 1992, uma vantagem de cinco pontos sobre Bill Clinton. O resto é conhecido.
Qual é, então, a primeira lição? Mesmo que confiemos nas sondagens como forma de medir as intenções de voto dos eleitores num dado momento, as campanhas parecem servir para mudar essas intenções. Mas como? O mais recente número do International Journal of Forecasting, inteiramente dedicado às eleições presidenciais americanas, ajuda a perceber a resposta. Vários artigos dedicados a meios alternativos de prever resultados eleitorais mostram que, afinal, há formas bastante fiáveis de prever resultados eleitorais com grande antecedência temporal. Em 2004, por exemplo, vários modelos econométricos, testados com base em resultados eleitorais anteriores - e que tomavam em conta factores como os dados da economia (crescimento e/ou emprego), se o presidente no cargo iria recandidatar-se ou a duração do controlo da Casa Branca pelo partido no poder - foram capazes, mais de seis meses antes das eleições, de obter previsões que se revelaram mais correctas do que se usássemos as sondagens realizadas na mesma altura. Mais precisas ainda, como elementos de previsão, foram as cotações dos mercados electrónicos, onde milhares de pessoas, usando dinheiro real ou fictício, compram e vendem contratos sobre resultados eleitorais futuros usando para tal de toda a informação de que dispõem sobre as eleições, e que vai para além, naturalmente, dos resultados das sondagens.
Logo, se os resultados das eleições são, afinal, nos seus traços gerais, previsíveis a pelo menos médio prazo, e se as sondagens mudam tanto ao longo de uma campanha, para que servem afinal as campanhas? Uma resposta possível é que elas ajudam a concretizar a influência que factores que já se encontravam estabilizados bem antes da campanha acabam por ter na decisão do voto. Factores como a identificação partidária dos eleitores, as suas posições sobre os principais temas e a sua avaliação do desempenho do presidente no poder já são estáveis muitos meses antes de uma eleição. Aquilo para que uma campanha serve é, ao contrário da visão convencional (mudar opiniões ou "persuadir"), para dar aos eleitores a informação de que necessitam para relacionar as suas predisposições com uma decisão concreta, cristalizando opções de voto cujos determinantes se encontram fixados antes da campanha. As observações comuns de que as discrepâncias entre as sondagens diminuem à medida de que nos aproximamos do dia das eleições ou que grandes vantagens a favor de um determinado candidato nas sondagens tendem quase sempre a convergir para resultados mais "renhidos" no dia das eleições são consequências lógicas deste efeito de "cristalização". Os entusiastas de Obama devem, por isso, adoptar algumas cautelas.
Cautela mas com optimismo, claro. Mesmo se nos abstrairmos das sondagens, a verdade é que quase todos os fundamentals desta eleição apontam há muito tempo para uma vitória do candidato democrata, fosse ele qual fosse. Um dos presidentes mais impopulares da história americana, uma avaliação predominantemente negativa das políticas do seu partido, uma situação económica desfavorável e uma tendência visível para o aumento da identificação dos eleitores com o Partido Democrata parecem condenar McCain ao fracasso. Ninguém duvida que os habituais artigos dos mais famosos forecasters, normalmente divulgados durante os meses de Julho e Agosto, irão prever uma vitória de Obama. Mas é aqui que entra a segunda lição que se pode retirar do que se passou nos últimos meses. Como assinala o politólogo americano Jay Cost num artigo recente, tudo isto é muito bem conhecido pelos próprios candidatos. Mesmo que nunca tenham lido os sofisticados artigos do International Journal of Forecasting (e até isso é improvável), Obama, McCain e as suas equipas de consultores conhecem muito bem os fundamentals desta eleição. E é isso mesmo que distingue as previsões que os cientistas possam fazer sobre o mundo físico daquelas que os "cientistas" fazem sobre o mundo social e político: nas segundas, lidamos com agentes com memória, que aprendem com a história, e que podem ser, por isso mesmo, capazes de mudar as condições que fazem com que uma determinada teoria seja aplicável até um dado momento. Obama e McCain já desafiaram o destino uma vez. Fazê-lo novamente, para McCain, seria um feito impressionante. Mas desta vez suspeito que nem em Setembro, quando esta coluna regressar às páginas do Público, me arriscarei a dizer "impossível".