segunda-feira, julho 09, 2007

As férias dos europeus

Todos os anos, à medida que entramos pelo Verão, quase todas as conversas que tenho com colegas americanos acabam sempre por tocar no tema das férias. Não onde ou como as vou passar, mas sim o tempo, descomunal, digno ao mesmo tempo de inveja e escárnio, que elas duram. Nos países europeus da OCDE, temos direito, no mínimo, a vinte dias úteis plenamente pagos, e que chegam a trinta dias nos casos finlandês e francês. Acrescentem-se os feriados e chegamos, no caso português, a uns espectaculares 35 dias por ano em que somos pagos sem trabalharmos. Em contraste, na ausência de semelhantes imposições legais, os americanos gozam, no sector privado, de uma média de apenas 15 dias por ano de férias pagas, incluindo feriados.

Como é óbvio, isto tem consequências no tempo que, na Europa e nos Estados Unidos, é dedicado ao trabalho. Em média, cada italiano em idade activa dedica ao trabalho pouco mais de 16 horas por semana, contra 25 horas nos Estados Unidos. Como se explica num livro recentemente publicado em Portugal, intitulado O Futuro da Europa, dos economistas Francesco Giavazzi e Alberto Alesina, esta diferença não existia nos anos 60. Mas desde então, através quer do aumento da duração das férias quer da diminuição das horas de trabalho semanais e do número de trabalhadores em relação ao total da população, ocorreu um declínio generalizado do número de horas de trabalho per capita na Europa. Trabalha-se, em suma, muito mais nos Estados Unidos do que na Europa.

Há pelo menos três ângulos a partir dos quais este facto pode ser apreciado. O primeiro consiste em assinalar como ele contribui para o declínio da Europa enquanto potência económica. Trabalhar menos tempo não faz mal se a produtividade for aumentando. Contudo, a partir dos anos 90, a produtividade aumentou nos Estados Unidos a um ritmo muito superior ao da Europa. Giavazzi e Alesina atribuem o fenómeno à maior rigidez do mercado de trabalho e do sector dos serviços, afectados por intervencionismo, proteccionismo e regulação estatais, inibindo o crescimento, a inovação e o investimento. Para além disso, trabalha-se menos na Europa porque os incentivos quer para o trabalho quer para o consumo são mitigados pelos impostos sobre um e outro, e também porque a força dos sindicatos na Europa levou à imposição de legislação que "obriga" às férias. Assim, a Europa está presa num colete de forças: ao passo que a sua produtividade não acompanha a dos Estados Unidos, as horas de trabalho não compensam - pelo contrário - essa falta de produtividade.

O segundo ângulo de análise possível para o assunto também resulta, curiosamente, do trabalho do mesmo Alberto Alesina sobre as causas da "preguiça" europeia (.pdf). Uma explicação adicional para o facto de os europeus trabalharem cada vez menos é a de que o prazer que retiram do ócio aumentou. Por um lado, a diminuição do tempo de trabalho favoreceu o crescimento de indústrias e infra-estruturas especializadas de turismo e de ócio capazes de fornecer "preguiça" de cada vez mais alta qualidade. Por outro lado, se mais pessoas - especialmente amigos ou familiares - têm mais tempo de lazer, a qualidade que esse tempo tem para nós e a sua atractividade em comparação com o trabalho também aumenta. Assim, aquilo que parece à primeira vista uma "norma cultural" - europeus "lazy" e americanos "crazy" - tem uma explicação simples: porque todos somos mais ociosos, o nosso ócio é melhor que o deles. Como se sugere noutro estudo também recente (.pdf), americanos e europeus parecem ter chegado a dois equilíbrios bastante diferentes sobre como gerir o seu tempo. Os europeus trabalham e consomem menos, mas ocupam uma parte maior das suas vidas em actividades de lazer desenvolvidas em comum. E como não ver nesse equilíbrio europeu uma receita para a felicidade?

Mas será mesmo assim? É difícil dizer. Contudo, um olhar pelos muitos inquéritos internacionais sobre percepções de "felicidade pessoal", arquivados na Universidade de Roterdão desde 1984, mostra os americanos num confortável 16.º lugar mundial, acima, por exemplo, dos franceses ou dos alemães, e ainda por cima com um "crescimento da felicidade" acima da média europeia. Há, por isso, um terceiro ângulo possível para o assunto, que não se concentra nem nos efeitos perversos do "estatismo" ou do "sindicalismo" europeus nem nas tradicionais descrições dos americanos como "bárbaros" fanatizados pelo trabalho e pelo consumismo. Como mostram os trabalhos do economista Francis Green, há outra coisa que diferencia uns dos outros: a própria satisfação que conseguem retirar do trabalho. Em geral, estes indicadores têm declinado em todo o mundo industrializado, fruto de uma crescente intensificação do esforço laboral, medido em termos da tensão, do stress e da velocidade associadas a execução das tarefas num moderno posto de trabalho. Contudo, os empregadores americanos parecem dar muito maior atenção à motivação dos empregados, à sua autonomia no posto de trabalho, às boas relações no interior da empresa e ao envolvimento dos trabalhadores nas decisões de gestão. Não há nada de altruísta nestas preocupações: maiores níveis de satisfação no trabalho diminuem a sindicalização e o absentismo, ao passo que aumentam a produtividade. Mas os estudos mostram que também aumentam a satisfação geral com a vida e até a saúde física e psíquica dos trabalhadores.

Logo, boas práticas de gestão e de organização do trabalho também ajudam a explicar por que razão, nos Estados Unidos, mais trabalho é também melhor trabalho, e não traz necessariamente "infelicidade" para quem trabalha mais. E talvez ajude também a explicar por que estamos, em Portugal, no pior de dois mundos: em comparação com os outros, trabalhamos pouco e somos improdutivos. Mas nem por isso deixamos também de ser os europeus mais insatisfeitos quer com a vida quer com o trabalho. Eu, por sorte, pertenço à minoria. Mas isso não impede que esta coluna quinzenal vá de férias. Regressa em Setembro.

P.S. - Duas observações interessantes sobre problemas de medição da riqueza e da produtividade, assim como uma polémica, digamos, parcialmente desnecessária.

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