segunda-feira, abril 20, 2009

Uma experiência para Lisboa

Eram sete horas da manhã do dia 17 de Fevereiro de 2003 quando ocorreu uma mudança histórica na cidade de Londres. A partir desse momento, todos os veículos que quisessem circular ou estacionar no centro da cidade durante os dias de semana passaram a pagar uma "taxa de congestão", que é hoje de oito libras (nove euros). Os residentes têm direito a um desconto de 90 por cento e estão isentos de pagar a taxa se estacionarem em garagens ou zonas designadas. Veículos com baixas emissões de CO2, de emergência ou usados por deficientes, transportes colectivos, assim como motos e bicicletas estão também isentos. O cumprimento destas regras é aferido através de câmaras que identificam automaticamente as matrículas, que são diariamente confrontadas com o registo dos pagamentos feitos.

Quais os efeitos deste medida? Num artigo de Outubro de 2006 do Journal of Economic Perspectives, Jonathan Leape resume as conclusões dos estudos existentes. O número de veículos privados que circulam na zona central baixou em 30 por cento. Mais de metade dos indivíduos que deixaram de usar o carro para entrar na zona central passaram a usar transportes públicos. A este respeito, parece ter-se verificado um "círculo virtuoso": o aumento de passageiros aumentou as receitas, o que permitiu novas rotas, mais veículos e melhoria de serviço; essa melhoria de serviço, ajudada também, naturalmente, pela redução da congestão, gerou ainda mais passageiros e, logo, mais receitas; e as receitas da própria taxa têm sido desviadas para os transportes públicos, melhorando serviço, aumentando passageiros e diminuindo o tráfego de veículos privados. Todas as análises custo/benefício, apesar de reconhecerem que os custos de gestão do sistema são muito superiores ao desejável, apontam para um saldo positivo, onde se incluem diminuição de emissões de CO2, de acidentes, de tempo de viagem e dos custos de manutenção das vias rodoviárias. Um estudo publicado em 2007 no Journal of Transport Economics and Policy mediu o impacto da "taxa de congestão" no comércio e concluiu que o efeito médio foi nulo. É verdade que hoje, seis anos depois, muitos dos ganhos obtidos em tempo de viagem parecem ter sido perdidos. Tendo em conta que os níveis de tráfego não aumentaram, isso parece dever-se, em grande medida, quer a um programa de obras públicas que vem afectando Londres de há alguns anos para cá, quer ao facto de as vias reservadas para autocarros, bicicletas e motas terem aumentado à custa das que servem os veículos privados.

Estocolmo é ainda melhor exemplo de uma capital europeia que introduziu um esquema deste tipo, protegendo uma área central de 30 km2. Foi em Agosto de 2007, precedido de um período experimental na primeira metade de 2006, ao qual se seguiu um referendo local. As formas de pagamento são bastante mais fáceis que em Londres e incluem um sistema tipo "via verde". Em Março passado, a revista Transportation Research dedicou um número inteiro ao assunto. Conclusões? Efeitos iguais ou maiores que em Londres: diminuição do tráfego e do tempo de viagem; ausência de efeitos negativos no comércio; transferência de viajantes para transportes públicos; ausência de efeitos regressivos ou progressivos em termos de equidade na distribuição dos custos; e redução de acidentes, poluição e custos de manutenção da via pública. E três lições fundamentais. Primeiro, a importância de um "período experimental" para persuadir os habitantes da viabilidade da medida e dos seus visíveis benefícios. Durante este período, o apoio popular passou de minoritário a maioritário, e vem crescendo desde 2007. Segundo, a necessidade de acompanhar esta medida de acções de aumento da qualidade de serviço dos transportes e de melhoria da gestão do tráfego nas zonas adjacentes. E terceiro, a importância de adoptar sistemas de "apoio à decisão" e acompanhamento: modelos econométricos sofisticados de medição e previsão de efeitos, inquéritos de opinião e estudos de impacto anuais. Como afirmam Jonas Eliasson e os seus colegas na introdução ao número especial, o debate já não é sobre se a "taxa de congestão funciona", mas sim sobre como desenhar o sistema e como usar as suas receitas.

Eu sei que votar numa eleição não é fácil e há muita coisa a considerar. Mas espero que os mais de 500.000 eleitores que podem votar nas autárquicas em Lisboa aceitem deste seu concidadão um critério que simplificará muito a nossa decisão. Irão dizer-vos que a rede de transportes públicos em Lisboa não permite que se impeça a entrada de carros. Mas vocês sabem, como eu, que isso não é verdade. Vocês vêem, como eu, autocarros vazios em hora de ponta, parados por detrás de um mar de carros nos eixos centrais por onde se passa quando se entra e sai de Lisboa. É preciso melhorar? Sim, e irão dizer-vos que não há dinheiro. Mas vocês agora já conhecem o "círculo virtuoso" de onde os recursos para melhorar os transportes públicos podem vir. Pensem nas quantidades brutais de dinheiro que continuam a ser investidas numa rede de Metro (e nos transtornos brutais dessas obras) que já serve bem a cidade e que poderiam ser desviadas para transportes de superfície numa cidade mais descongestionada. E se vos disserem que o comércio vai ser prejudicado, já sabem que vos estão a mentir.

Vão também dizer-vos que aqueles que vêm para a cidade não têm bons meios para cá chegar sem ser o carro particular. Mas mesmo que isso fosse inteiramente verdade - e vocês sabem bem que não é -, pensem de quem será a responsabilidade, e como o actual estado de coisas desresponsabiliza as câmaras dos concelhos limítrofes de melhorarem os transportes públicos nos seus próprios municípios e os governos de investirem em melhores maneiras de chegar à nossa cidade. Pensem nos custos - em tempo, produtividade, saúde, segurança, vida familiar, conforto - que todos pagamos pelo actual estado de coisas. Vocês sabem tão bem como eu que muitos dos candidatos que temos tido à Câmara de Lisboa a vêem como mero degrau para outros cargos políticos e que, por isso, têm medo de hostilizar o eleitorado dos concelhos vizinhos. Mas isso tem sido um problema nosso que, felizmente, a democracia ajuda a que possamos fazer com que seja apenas um problema deles. É simples: candidato que não proponha uma maneira séria e radical de impedir a entrada de carros na nossa cidade não merece um único dos nossos votos. Vamos fazer essa experiência? Vão ver que funciona.

segunda-feira, abril 13, 2009

Três subtilezas sobre as eleições europeias

Um dos temas das próximas semanas será o das eleições europeias e os seus prováveis resultados. Pegue-se num qualquer manual de Ciência Política e procure-se um capítulo ou uma secção sobre as eleições para o Parlamento Europeu. Há uma expressão que certamente não faltará: "Eleições de segunda ordem". O conceito, originalmente avançado num artigo de Karlheinz Reif e Hermann Schmitt, significa duas coisas. Por um lado que, para eleitores e agentes políticos, estas eleições tendem a ser vistas como secundárias em relação ao principal combate eleitoral em cada país, nomeadamente, aquele onde se determina quem governa. Por outro lado, que as eleições europeias são combates onde o discurso dos agentes políticos, as opções dos eleitores e os próprios resultados são contaminados pelo que está em jogo na arena eleitoral mais importante - a das legislativas - em vez de serem influenciados por aquilo que, formalmente, estaria em jogo nessas eleições: a composição do Parlamento Europeu.

Daqui decorrem algumas consequências. Primeiro, vota-se menos nas eleições europeias que nas legislativas. Segundo, aqueles que votam fazem-no de maneira diferente. Por um lado, eleitores que teriam incentivos para votar "útil" - preocupando-se mais com afastar determinados partidos do poder do que em votar no partido que mais preferem - têm, nas eleições europeias, menos razões para o fazerem. Por outro lado, eleitores próximos dos partidos de governo mas insatisfeitos com o seu desempenho têm incentivos para sinalizarem esse descontentamento sem correrem o risco de, ao fazerem-no, comprometerem as suas chances eleitorais numa eleição que "realmente conte". O resultado agregado destes comportamentos descreve-se facilmente: maior abstenção, piores resultados para os grandes partidos e, entre estes, piores resultados ainda para os partidos no Governo. Portugal não é excepção a estes padrões. A abstenção nas europeias foi sempre superior à das legislativas. O partido no Governo teve sempre piores resultados nas europeias do que nas legislativas anteriores, e o mesmo sucede com os dois maiores partidos.

Mas há três subtilezas a adicionar a estas conclusões, sublinhadas por três estudos publicados nos últimos anos sobre o tema. A primeira é que a magnitude dessas perdas parece mudar consoante o momento no ciclo eleitoral onde as europeias têm lugar. Na bibliografia sobre o tema há um consenso: quando as europeias se dão pouco tempo depois das legislativas - dentro do chamado período de "lua-de-mel" governamental - a punição para os Governos tende a ser menos expressiva. Contudo, alguns estudos mostram que a punição dos maiores partidos em geral e do partido de Governo em particular volta a ser menor quando as europeias têm lugar no final do ciclo eleitoral, ou seja, mais perto das legislativas subsequentes. O raciocínio é simples: quer para os agentes políticos, quer para os eleitores, na medida em que as europeias sejam vistas como algo mais do que um exercício inconsequente a meio do mandato, os incentivos voltam a mudar. Da parte dos partidos, os esforços de mobilização e de dramatização redobram-se e, da parte dos eleitores, a ideia de que as europeias permitem votar apenas "com o coração" torna-se menos prevalecente. Logo, enquanto os eleitores próximos do partido de governo se sentem menos à vontade para o punir "sem consequências", os eleitores que noutras circunstâncias votariam "sinceramente" têm maiores incentivos para votar útil, voltando a fortalecer os maiores partidos. O caso português dá algum apoio a esta ideia: como mostram André Freire e Efitichia Teperoglou num estudo de 2007 sobre as eleições para o Parlamento Europeu nos países da Europa do Sul, publicado no Journal of Elections, Public Opinion and Parties, as eleições europeias realizadas em Portugal onde as perdas do Governo foram menores foram também aquelas que se realizaram quer nas fases iniciais, quer nas fases terminais dos mandatos governamentais.

A segunda subtileza, revelada num artigo de 2004 de Federico Ferrara e Timo Weishaupt na European Union Politics, é que a magnitude dos ganhos e perdas de qualquer partido - do Governo ou da oposição, grande ou pequeno - nas europeias em relação às legislativas depende também do grau de unidade interna que exibe em relação aos temas europeus, seja essa unidade a favor ou contra a integração. Como explicam os autores, especialmente em temas onde falta informação aos eleitores, quanto menos ambígua for a posição de um partido e quanto mais se transmitir a ideia de que as posições da liderança são claras e apoiadas no interior do partido, maior a capacidade de atrair eleitores ou, pelo menos, mitigar perdas.

A terceira subtileza resulta de um estudo publicado já este ano no British Journal of Political Science, por Sara Hobolt, Jae-Jae Spoon e James Tilley. O que Hobolt e os seus colegas mostram é que os castigos ao Governo variam também de acordo com o tom geral da cobertura mediática das eleições europeias. Como os partidos de governo são geralmente mais pró-europeístas que o eleitor mediano, quanto mais a campanha tiver um tom eurocéptico, mais os eleitores tendem a dar relevo ao tema e à sua distância em relação ao partido de governos nessa matéria, punindo-o eleitoralmente.

Muito do que se vem escrevendo sobre as (más) perspectivas do PS nestas eleições resulta do modelo geral, e deverá estar genericamente correcto: ninguém imagina que o PS possa replicar nas europeias os resultados de 2004 ou 2005. Mas não toma em conta as subtilezas. Em 2004, as europeias tiveram lugar a meio do mandato de um governo que apresentou uma candidatura conjunta de dois partidos cuja unidade interna em relação à Europa era duvidosa, e no rescaldo de uma cobertura mediática da campanha que, em Portugal e fora, foi uma das mais negativas em relação à Europa de que há memória. Em 2009, as atitudes em relação à integração, que certamente se irão reflectir na cobertura da campanha, são hoje, num momento de profunda crise económica, bem menos negativas do que em 2004. A eleição terá lugar no final do mandato. O PS, certamente preocupado com o voto que possa perder para eleitores mais diletantes, já anunciou que as eleições "não são a feijões" e as suas clivagens internas - profundas e reais - não têm a ver com a Europa. Claro que, no meio de tudo isto, a única coisa anómala é o facto de o PSD não ter sequer iniciado a sua campanha nem ter um cabeça de lista. Mas a política tem por vezes - e digo isto sem ironia - razões que a Ciência Política desconhece. Em Junho veremos o saldo de tudo isto.