As primárias
Dentro de um mês, já terão ocorrido as primeiras duas eleições primárias nos Estados Unidos: Iowa (no dia 3 de Janeiro) e New Hampshire (cinco dias depois). Há poucas coisas tão complicadas na política como a forma de escolher candidatos presidenciais naquele país. Primeiro, nem todos os estados seleccionam da mesma forma os seus delegados às convenções que, em Agosto e Setembro de 2008, aprovarão os candidatos oficiais de cada partido. Desde 1972, um conjunto de reformas aprovadas pelo Partido Democrata (parcialmente adoptadas pelo Partido Republicano) têm levado a que, na maioria dos estados, os delegados vinculados a cada candidato sejam escolhidos através de eleições primárias. Contudo, numa minoria ainda significativa dos estados, esses delegados são escolhidos através de um processo complexo, os caucuses, através dos quais simpatizantes de cada dos partidos se reúnem em circunscrições locais. As votações ocorridas nessas reuniões são equivalentes funcionais de uma eleição primária a nível estadual, mas é mais difícil prever os resultados de um caucus do que de uma eleição primária propriamente dita. Em 2004, havia cerca de dois milhões de eleitores recenseados no Iowa, estado onde, desde 1972, se realiza o primeiro caucus para cada eleição. Mas desses dois milhões, apenas cerca de 120 mil, seis por cento, participaram nas votações. Para quem faz sondagens nos Estados Unidos, encontrar uma forma de seleccionar e inquirir apenas os eleitores que terão alta probabilidade de vir a participar em cada caucus é um pesadelo muito particular.
Em segundo lugar, cada vez mais estados desejam realizar as primárias o mais cedo possível. Este fenómeno - frontloading - tem motivações óbvias. Os resultados das primeiras primárias influenciam as seguintes, fornecendo informação sobre a viabilidade de cada candidato. Logo, os líderes partidários ansiosos por receberem a atenção dos meios de comunicação social e o investimento das campanhas eleitorais nos seus estados têm todos os incentivos para anteciparem as primárias. Em 2008, por exemplo, sete primárias ou caucuses terão lugar em Janeiro, contra apenas dois em 2004. Contudo, alguns - Florida e Michigan, no caso dos Democratas, e ainda outros, no caso dos Republicanos - foram marcados em violação de regras estabelecidas pelos partidos nacionais, o que poderá inclusivamente levar a que a totalidade ou parte dos delegados que elegem para as convenções percam os seus lugares. Tudo isto está por resolver e já foi ou irá certamente parar aos tribunais.
Depois, para mais incerteza, temos os resultados das sondagens. Um candidato que ganhe simultaneamente no Iowa e em New Hampshire tem quase garantida a nomeação nacional. Foi assim com Kerry em 2004, com Gore em 2000 e com Carter em 1976, para falar apenas de casos de candidatos para um primeiro mandato. Contudo, este ano, nem isso parece certo. Em Julho passado, Hillary Clinton parecia relativamente segura em Iowa e, especialmente, em New Hampshire, ao mesmo tempo que dominava as sondagens realizadas a nível nacional. Hoje, tudo parece ter-se complicado. Clinton e Barack Obama estão empatados em Iowa. A vantagem de Clinton quer em New Hampshire quer a nível nacional vem diminuindo, especialmente desde que se tornou claro que Al Gore não seria candidato. E quem sabe o impacto que a sua derrota no Iowa poderia ter nos restantes estados onde se vota em Janeiro? É certo que, como Paul Tsongas aprendeu em 1992, depois da sua vitória em New Hampshire, o frontloading ajuda muito menos os "candidatos-surpresa" do que se poderia pensar. Mas Obama já não é um candidato-surpresa. Desde o início da campanha, já recolheu 80 milhões de dólares em contribuições e tem, de momento, disponível metade desses fundos, quase tanto como Clinton. Se ganhar em Iowa, não enfrentará o mesmo dilema de Tsongas, dividido entre a necessidade de atravessar o país para recolher mais fundos e a de se concentrar nas primárias seguintes.
Na corrida dos Republicanos, impera a confusão geral. Até ao início de 2007, Rudy Giuliani e John McCain dominavam confortavelmente as intenções de voto a nível nacional. Hoje, apesar de Giuliani manter a liderança, é seguido de perto por quatro candidatos, incluindo Mitt Romney, o multimilionário ex-governador do Massachussets e um dos poucos mórmones que alguma vez se candidataram às presidenciais americanas (sendo que um deles foi o seu pai e outro o próprio fundador da religião, Joseph Smith). E, como se isto não bastasse, apesar de Giuliani e Romney terem a seu favor bolsos muito mais cheios do que qualquer um dos restantes candidatos, há ainda Mike Huckabee. Este ex-governador do Arkansas, que acredita na verdade textual da Bíblia, tem a vantagem de ser o único candidato republicano ainda viável cujas posições agradam ao eleitorado moralmente conservador. Huckabee está empatado com Romney nas sondagens para Iowa, e já o ultrapassou nas sondagens a nível nacional.
Tendo tudo isto em conta, é curioso que alguns observadores do fenómeno em Portugal já tenham certezas sobre o que virá a ser o resultado das primárias, para já não falar no desfecho final em Novembro. A verdade é que tudo está em aberto. Fora dos estados onde estão a fazer mais intensamente campanha, os candidatos republicanos são, à excepção de Giuliani ou de McCain, ainda desconhecidos. No estudo mais recente, já deste mês, um quarto dos eleitores americanos nunca tinha ouvido falar de Romney, enquanto um terço desconhecia Huckabee. Já sobre os democratas, circula a teoria de que os americanos nunca elegerão Obama (negro) ou Hillary (mulher). Mas não deixa de ser curioso que, em todas - sem excepção - as sondagens publicadas até ao momento sobre o assunto, a resistência dos americanos ao voto num negro ou numa mulher (ou à mera ideia de os terem na presidência) seja menor do que a resistência às mesmas ideias no que respeita a um mórmon. O raciocínio, de resto, é semelhante ao que se aplicaria, em 1960, ao católico John F. Kennedy. Já sabemos todos o que aconteceu a essa teoria.
Em segundo lugar, cada vez mais estados desejam realizar as primárias o mais cedo possível. Este fenómeno - frontloading - tem motivações óbvias. Os resultados das primeiras primárias influenciam as seguintes, fornecendo informação sobre a viabilidade de cada candidato. Logo, os líderes partidários ansiosos por receberem a atenção dos meios de comunicação social e o investimento das campanhas eleitorais nos seus estados têm todos os incentivos para anteciparem as primárias. Em 2008, por exemplo, sete primárias ou caucuses terão lugar em Janeiro, contra apenas dois em 2004. Contudo, alguns - Florida e Michigan, no caso dos Democratas, e ainda outros, no caso dos Republicanos - foram marcados em violação de regras estabelecidas pelos partidos nacionais, o que poderá inclusivamente levar a que a totalidade ou parte dos delegados que elegem para as convenções percam os seus lugares. Tudo isto está por resolver e já foi ou irá certamente parar aos tribunais.
Depois, para mais incerteza, temos os resultados das sondagens. Um candidato que ganhe simultaneamente no Iowa e em New Hampshire tem quase garantida a nomeação nacional. Foi assim com Kerry em 2004, com Gore em 2000 e com Carter em 1976, para falar apenas de casos de candidatos para um primeiro mandato. Contudo, este ano, nem isso parece certo. Em Julho passado, Hillary Clinton parecia relativamente segura em Iowa e, especialmente, em New Hampshire, ao mesmo tempo que dominava as sondagens realizadas a nível nacional. Hoje, tudo parece ter-se complicado. Clinton e Barack Obama estão empatados em Iowa. A vantagem de Clinton quer em New Hampshire quer a nível nacional vem diminuindo, especialmente desde que se tornou claro que Al Gore não seria candidato. E quem sabe o impacto que a sua derrota no Iowa poderia ter nos restantes estados onde se vota em Janeiro? É certo que, como Paul Tsongas aprendeu em 1992, depois da sua vitória em New Hampshire, o frontloading ajuda muito menos os "candidatos-surpresa" do que se poderia pensar. Mas Obama já não é um candidato-surpresa. Desde o início da campanha, já recolheu 80 milhões de dólares em contribuições e tem, de momento, disponível metade desses fundos, quase tanto como Clinton. Se ganhar em Iowa, não enfrentará o mesmo dilema de Tsongas, dividido entre a necessidade de atravessar o país para recolher mais fundos e a de se concentrar nas primárias seguintes.
Na corrida dos Republicanos, impera a confusão geral. Até ao início de 2007, Rudy Giuliani e John McCain dominavam confortavelmente as intenções de voto a nível nacional. Hoje, apesar de Giuliani manter a liderança, é seguido de perto por quatro candidatos, incluindo Mitt Romney, o multimilionário ex-governador do Massachussets e um dos poucos mórmones que alguma vez se candidataram às presidenciais americanas (sendo que um deles foi o seu pai e outro o próprio fundador da religião, Joseph Smith). E, como se isto não bastasse, apesar de Giuliani e Romney terem a seu favor bolsos muito mais cheios do que qualquer um dos restantes candidatos, há ainda Mike Huckabee. Este ex-governador do Arkansas, que acredita na verdade textual da Bíblia, tem a vantagem de ser o único candidato republicano ainda viável cujas posições agradam ao eleitorado moralmente conservador. Huckabee está empatado com Romney nas sondagens para Iowa, e já o ultrapassou nas sondagens a nível nacional.
Tendo tudo isto em conta, é curioso que alguns observadores do fenómeno em Portugal já tenham certezas sobre o que virá a ser o resultado das primárias, para já não falar no desfecho final em Novembro. A verdade é que tudo está em aberto. Fora dos estados onde estão a fazer mais intensamente campanha, os candidatos republicanos são, à excepção de Giuliani ou de McCain, ainda desconhecidos. No estudo mais recente, já deste mês, um quarto dos eleitores americanos nunca tinha ouvido falar de Romney, enquanto um terço desconhecia Huckabee. Já sobre os democratas, circula a teoria de que os americanos nunca elegerão Obama (negro) ou Hillary (mulher). Mas não deixa de ser curioso que, em todas - sem excepção - as sondagens publicadas até ao momento sobre o assunto, a resistência dos americanos ao voto num negro ou numa mulher (ou à mera ideia de os terem na presidência) seja menor do que a resistência às mesmas ideias no que respeita a um mórmon. O raciocínio, de resto, é semelhante ao que se aplicaria, em 1960, ao católico John F. Kennedy. Já sabemos todos o que aconteceu a essa teoria.