segunda-feira, junho 11, 2007

Independentes

As candidaturas de Helena Roseta e Carmona Rodrigues nas eleições intercalares em Lisboa e a memória recente de alguns candidatos vitoriosos apoiados por “grupos de cidadãos eleitores” nas autárquicas de 2005 chamam de novo a atenção para o papel dos “independentes” nas eleições locais. Quando se alterou a Constituição em 1997 para permitir estas candidaturas, falou-se muito sobre a forma como assim se poderia impulsionar a “participação da sociedade civil” na política local, aumentar e diversificar as opções políticas ao dispor dos eleitores e aumentar o envolvimento político dos cidadãos. Dez anos depois, passadas duas eleições autárquicas (2001 e 2005), vale a pena fazer um balanço. Reconheço desde já que é um balanço generalista e superficial, negligenciando muitas das circunstâncias concretas e especificidades de cada concelho. Mas talvez chegue para termos uma primeira ideia sobre até que ponto se concretizaram as expectativas iniciais mais benignas sobre esta inovação institucional.

Um observador desprevenido poderia ser facilmente desculpado por concluir que as candidaturas “independentes” e “emanadas da sociedade civil” têm sido um enorme sucesso. Afinal, de 2001 para 2005, o número de concelhos onde concorreram listas apoiadas por “grupos de cidadãos eleitores” às câmaras municipais aumentou de 21 para 27, ou seja, chega já a quase nove por cento do total de concelhos. O número de presidências de câmara conquistadas por candidatos “independentes” mais do que duplicou de 2001 para 2005, e quase dois terços destas candidaturas conseguiram eleger vereadores nas últimas autárquicas. Pode parecer pouco, especialmente em comparação com o que passa em países como a Suécia ou a Noruega, onde há candidaturas “não-partidárias” em mais de um terço dos municípios. Contudo, é bastante em face da total novidade da experiência em Portugal, e sobretudo em comparação com muitos países europeus onde esta possibilidade existe há muito mais tempo.

Sucede que um olhar mais aprofundado revela outros aspectos que passariam despercebidos se nos ficássemos pela análise anterior. Em primeiro lugar, importa notar a quase total ausência de continuidade destes “movimentos de cidadãos” de 2001 para 2005. As três únicas excepções são Alcanena, Penedono e Vouzela. Contudo, em Alcanena, trata-se do “movimento” que apoiou a candidatura em 2001 e 2005 daquele que já era anteriormente o Presidente da Câmara, eleito pelo PS. Em Penedono e em Vouzela, as candidaturas “independentes” são, de facto, listas “apadrinhadas” por partidos políticos. Assim, nuns casos, fracassado o seu propósito meramente instrumental – a eleição de vereadores ou deputados municipais - estes “movimentos” eclipsaram-se depois de 2001, tendo muitos dos seus candidatos feito posteriormente pela vida em listas partidárias. Noutros, foi o sucesso desse objectivo instrumental que permitiu o regresso da hegemonia partidária em 2005. Em Ponte de Lima, aquele que já tinha chegado a Presidente de Câmara numa lista partidária ganhou em 2001 como “independente”, voltando a ganhar em 2005, de novo, numa lista do mesmo partido. Em Penamacôr, o ex-líder da concelhia do PS ganhou como independente em 2001, voltando a ganhar em 2005 mas, desta vez, à frente de uma lista do PSD.

A suposta “vitalidade” da sociedade civil que estas candidaturas supostamente indicariam é ainda mais colocada em causa quando examinamos a sua origem em cada uma das eleições, particularmente das mais bem sucedidas. Em 2001, as três câmaras conquistadas por candidatos “independentes” foram-no pelos presidentes de câmara em funções. Em 2007, cinco das sete vitórias das candidaturas “independentes” - Alcanena, Felgueiras, Oeiras, Gondomar e Redondo - correspondem ao mesmo modelo, com Alvito e Sabrosa a serem as únicas excepções a este padrão. E a esmagadora maioria das listas “independentes” que elegeram vereadores em 2005 foram apadrinhadas por partidos, por facções das concelhias partidárias em conflito com as distritais, ou por facções das distritais em conflito com os órgãos nacionais dos partidos. O mesmo, de resto, já tinha sucedido em 2001.

E até que ponto a presença destas listas aumenta a diversidade das opções políticas ao dispor dos eleitores, a representação de interesses antes negligenciados e o envolvimento dos cidadãos na vida política local? Em rigor, não sabemos. Mas podemos recorrer a uma indicador indirecto: a participação eleitoral. Em 2005, a taxa média de participação nos concelhos que tiveram pela primeira vez candidaturas independentes foi de 67,2 por cento, acima da média nacional de 61 por cento. Contudo, em 2001, nos mesmos concelhos e sem independentes, já tinha sido de 65 por cento, também acima da média nacional de 60,1 por cento. Por outras palavras, não há qualquer indicação de que a presença de listas “independentes” tenha aumentado o envolvimento político ou a percepção de mais, melhores e mais mobilizadoras alternativas por parte das populações.

Irrelevante, então, esta inovação institucional? Nem pensar. Nuns casos, ela vem clarificar situações onde a implantação de um determinado partido sempre esteve dependente do poder de um determinado candidato, dos interesses que agrega e da sua rede de influências, revelando o carácter descartável dos partidos em muitos municípios de pequena dimensão. Noutros, vem aumentar o “potencial de chantagem” que as estruturas locais têm em relação às lideranças partidárias nacionais, reforçando aquilo que o politólogo Peter Mair já anunciava como o futuro do chamado “partido-cartel”: a “estratarquia”, um sistema em que cada “estrato” do partido é independente dos restantes, deixando a cada um deles as mãos livres para gerir a distribuição de lugares políticos no nível respectivo, exigindo apenas a conciliação de interesses quando se trata de atribuir lugares elegíveis no parlamento. É uma transformação fascinante. Contudo, na esmagadora maioria dos casos, não parece que, até agora, tenha tido alguma coisa a ver com a “sociedade civil”, o “poder dos cidadãos” ou qualquer amável cliché do mesmo género.

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