O PS agradece
Em Outubro de 2005, o PS sofria uma primeira derrota desde a maioria absoluta histórica obtida em Fevereiro desse mesmo ano. A dimensão dessa derrota foi surpreendente. É certo que os Governos se costumam dar mal nas eleições autárquicas: assim foi em sete das nove eleições do género realizadas desde 1976. Mas havia razões para supor que, nas autárquicas de 2005, o PS poderia de alguma forma mitigar essas perdas. Afinal, as duas excepções ao padrão de punição do Governo em eleições locais - 1979 e 1985 - também tinham sido eleições realizadas durante aquilo a que se costuma chamar a "lua-de-mel" governamental, menos de um ano após as legislativas precedentes. Que o PS não tenha, afinal, conseguido fazer melhor em 2005 do que no desastroso ano de 2001 foi bem o reflexo, para além de algumas escolhas duvidosas de cabeças de lista, de quão rapidamente a popularidade deste Governo (tal como, de resto, a do seu predecessor) se desgastou em menos de um ano. Enquanto a opinião publicada continuava a falar de "estado de graça", as sondagens já diziam outra coisa: entre Março e 2005 e Outubro de 2005, o saldo de popularidade de José Sócrates (a percentagem de opiniões positivas subtraída da percentagem de opiniões negativas) tinha descido de quase 40 pontos positivos para 4 pontos negativos.
O facto de os eleitores aproveitarem para castigar os Governos em eleições que nada têm a ver com a governação não significa, como de vez em quando se diz, que "não sabem distinguir as coisas". Pelo contrário, é precisamente por saberem que uma derrota do Governo nessas eleições não implica colocar em S. Bento uma oposição ainda mais indigente que se podem dar ao luxo de exprimir plenamente a sua insatisfação. O que se passou em Janeiro de 2006, nas presidenciais, teve também a ver com isto. Sabe-se hoje, com a ajuda de estudos pós-eleitorais (.pdf) realizados após as legislativas e as presidenciais, que dois aspectos que ajudam a caracterizar os eleitores socialistas que abandonaram Soares foi o facto de estarem insatisfeitos com a actuação do Governo e terem considerado a eleição pouco importante. De resto, a aparente - e, como se tem visto até agora, justificada - indiferença de José Sócrates em relação a uma possível vitória de Cavaco Silva nessas eleições facilitou ainda mais a vida a esses eleitores. E a isto juntaram-se, claro, alguns ingredientes adicionais, tais como o processo trapalhão de escolha de candidato ou a candidatura "independente" de Manuel Alegre, cujo discurso crítico em relação ao statu quo partidário soa cada vez mais como música aos ouvidos dos eleitores.
À primeira vista, as eleições intercalares em Lisboa tinham todas as condições para apresentar uma combinação mortífera - para o PS - das piores características das autárquicas de 2005 e das presidenciais de 2006. A nível nacional, a popularidade do Governo está hoje a níveis quase tão baixos como estava em Outubro de 2005. No concelho de Lisboa, menos de um em cada cinco eleitores fazem uma avaliação positiva da actuação do Governo nacional. Reeditando Alegre, há desta vez Helena Roseta, com toda uma lista possível de argumentos sobre o "autismo" do poder socialista - "mandei-lhe uma carta" - e as virtudes da "cidadania" contra os "partidos". E como se isto não bastasse, o divórcio entre o PSD e Carmona Rodrigues dava desde logo ao primeiro a vantagem de o poder dissociar da acção de uma câmara cuja avaliação pública também não é particularmente favorável.
Mas sucede que um dos actores nesta peça, a quem cabia pouco mais do que não se deixar cair do palco abaixo, tomou uma decisão inexplicável. Dispondo do poder de agendar como e quando Carmona Rodrigues ia cair, Marques Mendes decidiu provocar essa queda sem ter, pelos vistos, previamente preparada a apresentação de um bom candidato para a Câmara de Lisboa. Esse candidato poderia ter constrangido a escolha do PS e retirado espaço de manobra a Carmona, ajudando a predeterminar o resultado desta eleição como mais uma derrota socialista. Aconteceu o inverso. Aquilo que Mendes não soube ou não pôde fazer ao PS fez-lhe o PS a ele, apresentando como candidato um dos ministros mais conhecidos (ou menos desconhecidos) e mais populares (ou menos impopulares) deste Governo. O resto é conhecido. Carmona é candidato, e há um ex-director da PJ, ex-ministro de Santana Lopes e vereador no Seixal* que, ao que parece, também é. Obviamente, António Costa lidera as sondagens, com intenções de voto entre os 32 e os 36 por cento.
É certo que estas primeiras sondagens - e se calhar até as últimas - devem ser encaradas com enorme cuidado. Em 2005, as conduzidas em concelhos onde concorreram candidatos independentes foram sistematicamente mais imprecisas que as restantes, fenómeno possivelmente causado pela fluidez que essas candidaturas introduzem nas escolhas dos eleitores. E é difícil saber quem vai ser mais prejudicado, à última hora, por uma abstenção que se prevê particularmente elevada. No entanto, o PS parece ter aprendido lições das derrotas anteriores. Declarou o caos antes de Costa, dramatizou as eleições com pedidos de maioria absoluta e prometeu aquilo que já tinha prometido nas legislativas de 2005: "seriedade" e "rigor". Tenta, deste modo, que em vez de se parecerem com as anteriores autárquicas ou com as presidenciais de 2006, estas eleições se pareçam com outras, também recentes, de que o PS tem melhores recordações. Não sabemos se conseguirá. Mas Marques Mendes já deu a ajuda possível e, nos últimos dias, até Santana Lopes deu mais um ar da sua graça. O PS agradece.
*Erro no original. É Setúbal, claro. Lapso freudiano.
O facto de os eleitores aproveitarem para castigar os Governos em eleições que nada têm a ver com a governação não significa, como de vez em quando se diz, que "não sabem distinguir as coisas". Pelo contrário, é precisamente por saberem que uma derrota do Governo nessas eleições não implica colocar em S. Bento uma oposição ainda mais indigente que se podem dar ao luxo de exprimir plenamente a sua insatisfação. O que se passou em Janeiro de 2006, nas presidenciais, teve também a ver com isto. Sabe-se hoje, com a ajuda de estudos pós-eleitorais (.pdf) realizados após as legislativas e as presidenciais, que dois aspectos que ajudam a caracterizar os eleitores socialistas que abandonaram Soares foi o facto de estarem insatisfeitos com a actuação do Governo e terem considerado a eleição pouco importante. De resto, a aparente - e, como se tem visto até agora, justificada - indiferença de José Sócrates em relação a uma possível vitória de Cavaco Silva nessas eleições facilitou ainda mais a vida a esses eleitores. E a isto juntaram-se, claro, alguns ingredientes adicionais, tais como o processo trapalhão de escolha de candidato ou a candidatura "independente" de Manuel Alegre, cujo discurso crítico em relação ao statu quo partidário soa cada vez mais como música aos ouvidos dos eleitores.
À primeira vista, as eleições intercalares em Lisboa tinham todas as condições para apresentar uma combinação mortífera - para o PS - das piores características das autárquicas de 2005 e das presidenciais de 2006. A nível nacional, a popularidade do Governo está hoje a níveis quase tão baixos como estava em Outubro de 2005. No concelho de Lisboa, menos de um em cada cinco eleitores fazem uma avaliação positiva da actuação do Governo nacional. Reeditando Alegre, há desta vez Helena Roseta, com toda uma lista possível de argumentos sobre o "autismo" do poder socialista - "mandei-lhe uma carta" - e as virtudes da "cidadania" contra os "partidos". E como se isto não bastasse, o divórcio entre o PSD e Carmona Rodrigues dava desde logo ao primeiro a vantagem de o poder dissociar da acção de uma câmara cuja avaliação pública também não é particularmente favorável.
Mas sucede que um dos actores nesta peça, a quem cabia pouco mais do que não se deixar cair do palco abaixo, tomou uma decisão inexplicável. Dispondo do poder de agendar como e quando Carmona Rodrigues ia cair, Marques Mendes decidiu provocar essa queda sem ter, pelos vistos, previamente preparada a apresentação de um bom candidato para a Câmara de Lisboa. Esse candidato poderia ter constrangido a escolha do PS e retirado espaço de manobra a Carmona, ajudando a predeterminar o resultado desta eleição como mais uma derrota socialista. Aconteceu o inverso. Aquilo que Mendes não soube ou não pôde fazer ao PS fez-lhe o PS a ele, apresentando como candidato um dos ministros mais conhecidos (ou menos desconhecidos) e mais populares (ou menos impopulares) deste Governo. O resto é conhecido. Carmona é candidato, e há um ex-director da PJ, ex-ministro de Santana Lopes e vereador no Seixal* que, ao que parece, também é. Obviamente, António Costa lidera as sondagens, com intenções de voto entre os 32 e os 36 por cento.
É certo que estas primeiras sondagens - e se calhar até as últimas - devem ser encaradas com enorme cuidado. Em 2005, as conduzidas em concelhos onde concorreram candidatos independentes foram sistematicamente mais imprecisas que as restantes, fenómeno possivelmente causado pela fluidez que essas candidaturas introduzem nas escolhas dos eleitores. E é difícil saber quem vai ser mais prejudicado, à última hora, por uma abstenção que se prevê particularmente elevada. No entanto, o PS parece ter aprendido lições das derrotas anteriores. Declarou o caos antes de Costa, dramatizou as eleições com pedidos de maioria absoluta e prometeu aquilo que já tinha prometido nas legislativas de 2005: "seriedade" e "rigor". Tenta, deste modo, que em vez de se parecerem com as anteriores autárquicas ou com as presidenciais de 2006, estas eleições se pareçam com outras, também recentes, de que o PS tem melhores recordações. Não sabemos se conseguirá. Mas Marques Mendes já deu a ajuda possível e, nos últimos dias, até Santana Lopes deu mais um ar da sua graça. O PS agradece.
*Erro no original. É Setúbal, claro. Lapso freudiano.
Etiquetas: eleições autárquicas, Lisboa, sondagens
<< Home