A segunda volta francesa e uma nota portuguesa
1. A primeira volta das eleições presidenciais em França não trouxe especiais surpresas. Le Pen teve, é certo, uma votação menor do que se previa: 10,5 por cento, abaixo dos valores entre os 13 e os 16 por cento que lhe chegaram a ser atribuídos a poucos dias das eleições. Mas os dois candidatos que nunca deixaram os primeiros lugares das intenções de voto nas sondagens, Sarkozy e Royal, foram precisamente os que passaram à segunda volta. Neste momento - tal como, de resto, desde Janeiro passado - é Sarkozy quem lidera as intenções de voto para essa segunda volta, com valores entre os 52 e os 54 por cento.
É certo que, por detrás desta aparente estabilidade, se esconde um eleitorado particularmente escorregadio. Segundo as altamente precisas sondagens à boca das urnas, quase metade daqueles que votaram em Sarkozy ou Royal na primeira volta ou não simpatizam com qualquer partido, ou simpatizam com partidos diferentes dos dos candidatos onde acabaram por votar. Houve, por outras palavras, muito "voto útil": da extrema-esquerda para Royal, da extrema-direita para Sarkozy e até (surpresa) do PS para Bayrou. E houve muito voto decidido à última hora, afectado pelas contingências da campanha: um em cada três eleitores diz ter tomado a sua decisão na última semana antes das eleições, valor que aumenta para um em cada dois entre os que não se identificam com qualquer partido. O que eleitores como estes - apartidários, infiéis, indecisos e com pouca adesão aos candidatos onde votaram ou dizem tencionar votar - possam realmente fazer no dia 6 é impossível de prever. No passado, as campanhas da segunda volta fizeram sempre alguma diferença, com Mitterrand e Chirac, por exemplo, nas eleições de 1988 e 1995, a acabarem com algo menos do que se esperava inicialmente. Nesses casos, isso não fez diferença no resultado final. Mas, nessa altura, a vantagem dos favoritos nas intenções de voto também não andava, como anda hoje, abaixo dos quatro pontos.
Contudo, é evidente que Ségolène tem a tarefa mais difícil. Joga contra ela a necessidade de, para triunfar, ter ao mesmo tempo de, por um lado, apelar à mobilização do eleitorado à sua esquerda e que dela não gosta e, por outro, de atrair aquele que está à sua direita e terá votado em Bayrou na primeira volta. Para Sarkozy, estes dilemas posicionais encontram-se resolvidos há muito tempo. Com excepcional paciência, Sarkozy fez ao longo dos últimos anos tudo aquilo que precisava para, agora, não se ter de preocupar com a direita. Chegou a altura de falar docemente, porque de resto, diga o que disser, a extrema-direita não deixará de votar nele em massa no dia 6. E depois se verá o que faz Sarkozy com esses votos se for eleito. Gérard Grunberg, director do CEVIPOF, recordava há dias as semelhanças entre a estratégia de Sarkozy em relação à Frente Nacional para estas eleições e aquela que Mitterrand preparou para atrair o voto comunista em 1981. Faltou-lhe apenas lembrar que, depois de eleito, Mitterrand aproveitou para acabar de vez com o PCF enquanto partido significativo na política francesa. Veremos se a história se repete.
2. Uma reacção comum à entrada de Joaquim Pina Moura para a administração da Media Capital - um convite feito e aceite, segundo palavras do próprio, com uma "motivação ideológica" - tem consistido em dizer-se que é "natural" em qualquer democracia que os órgãos de comunicação social tenham orientações políticas claras e conhecidas de todos. Afinal, ninguém desconhece que o El País, o New York Times ou o Guardian se orientam para a "esquerda" nos seus países, da mesma forma que o ABC, o Wall Street Journal ou o Telegraph são de "direita". Tudo isto seria até "saudável", "claro", "transparente" e até contribui para o "pluralismo".
Até pode ser que seja, mas há nesta reacção duas coisas que, talvez ingenuamente, me parecem intrigantes. A primeira é a forma como assim se admite que uma mudança no conselho de administração de uma empresa de comunicação social possa (ou até deva) ter como consequência "natural" a adopção de uma linha editorial política e ideologicamente marcada. A segunda é esta utilização de tantos exemplos retirados da imprensa quando o assunto, afinal, nada tem a ver com ela. Entre a imprensa e a televisão - porque é da segunda que estamos a falar - vai, em termos de alcance e impacto sobre as agendas políticas e o eleitorado, um mundo de diferença, que só a pequena minoria daqueles que julgam que o resto do país também lê jornais para consumir informação política pode ignorar. E talvez esse mundo de diferença ajude a explicar por que razão não se conseguirá - para além da repelente Fox News e da televisão italiana- encontrar facilmente exemplos de democracias fora da Europa de Leste e da América Latina onde canais de televisão dêem à sua informação uma orientação política e ideológica assumida.
Não se sabe se a entrada de Pina Moura na Media Capital vai significar a transformação da TVI num órgão mais ou menos oficioso do Partido Socialista. Mas, se assim for, fico curioso. O que dirão aqueles que encaram isso com "naturalidade" quando, regressado o centro-direita ao poder, se encarregar de tomar de assalto os canais públicos para assegurar um "saudável pluralismo" político e ideológico na informação televisiva? Acharão "natural"? Duvido. Mas nessa altura já será tarde.
É certo que, por detrás desta aparente estabilidade, se esconde um eleitorado particularmente escorregadio. Segundo as altamente precisas sondagens à boca das urnas, quase metade daqueles que votaram em Sarkozy ou Royal na primeira volta ou não simpatizam com qualquer partido, ou simpatizam com partidos diferentes dos dos candidatos onde acabaram por votar. Houve, por outras palavras, muito "voto útil": da extrema-esquerda para Royal, da extrema-direita para Sarkozy e até (surpresa) do PS para Bayrou. E houve muito voto decidido à última hora, afectado pelas contingências da campanha: um em cada três eleitores diz ter tomado a sua decisão na última semana antes das eleições, valor que aumenta para um em cada dois entre os que não se identificam com qualquer partido. O que eleitores como estes - apartidários, infiéis, indecisos e com pouca adesão aos candidatos onde votaram ou dizem tencionar votar - possam realmente fazer no dia 6 é impossível de prever. No passado, as campanhas da segunda volta fizeram sempre alguma diferença, com Mitterrand e Chirac, por exemplo, nas eleições de 1988 e 1995, a acabarem com algo menos do que se esperava inicialmente. Nesses casos, isso não fez diferença no resultado final. Mas, nessa altura, a vantagem dos favoritos nas intenções de voto também não andava, como anda hoje, abaixo dos quatro pontos.
Contudo, é evidente que Ségolène tem a tarefa mais difícil. Joga contra ela a necessidade de, para triunfar, ter ao mesmo tempo de, por um lado, apelar à mobilização do eleitorado à sua esquerda e que dela não gosta e, por outro, de atrair aquele que está à sua direita e terá votado em Bayrou na primeira volta. Para Sarkozy, estes dilemas posicionais encontram-se resolvidos há muito tempo. Com excepcional paciência, Sarkozy fez ao longo dos últimos anos tudo aquilo que precisava para, agora, não se ter de preocupar com a direita. Chegou a altura de falar docemente, porque de resto, diga o que disser, a extrema-direita não deixará de votar nele em massa no dia 6. E depois se verá o que faz Sarkozy com esses votos se for eleito. Gérard Grunberg, director do CEVIPOF, recordava há dias as semelhanças entre a estratégia de Sarkozy em relação à Frente Nacional para estas eleições e aquela que Mitterrand preparou para atrair o voto comunista em 1981. Faltou-lhe apenas lembrar que, depois de eleito, Mitterrand aproveitou para acabar de vez com o PCF enquanto partido significativo na política francesa. Veremos se a história se repete.
2. Uma reacção comum à entrada de Joaquim Pina Moura para a administração da Media Capital - um convite feito e aceite, segundo palavras do próprio, com uma "motivação ideológica" - tem consistido em dizer-se que é "natural" em qualquer democracia que os órgãos de comunicação social tenham orientações políticas claras e conhecidas de todos. Afinal, ninguém desconhece que o El País, o New York Times ou o Guardian se orientam para a "esquerda" nos seus países, da mesma forma que o ABC, o Wall Street Journal ou o Telegraph são de "direita". Tudo isto seria até "saudável", "claro", "transparente" e até contribui para o "pluralismo".
Até pode ser que seja, mas há nesta reacção duas coisas que, talvez ingenuamente, me parecem intrigantes. A primeira é a forma como assim se admite que uma mudança no conselho de administração de uma empresa de comunicação social possa (ou até deva) ter como consequência "natural" a adopção de uma linha editorial política e ideologicamente marcada. A segunda é esta utilização de tantos exemplos retirados da imprensa quando o assunto, afinal, nada tem a ver com ela. Entre a imprensa e a televisão - porque é da segunda que estamos a falar - vai, em termos de alcance e impacto sobre as agendas políticas e o eleitorado, um mundo de diferença, que só a pequena minoria daqueles que julgam que o resto do país também lê jornais para consumir informação política pode ignorar. E talvez esse mundo de diferença ajude a explicar por que razão não se conseguirá - para além da repelente Fox News e da televisão italiana- encontrar facilmente exemplos de democracias fora da Europa de Leste e da América Latina onde canais de televisão dêem à sua informação uma orientação política e ideológica assumida.
Não se sabe se a entrada de Pina Moura na Media Capital vai significar a transformação da TVI num órgão mais ou menos oficioso do Partido Socialista. Mas, se assim for, fico curioso. O que dirão aqueles que encaram isso com "naturalidade" quando, regressado o centro-direita ao poder, se encarregar de tomar de assalto os canais públicos para assegurar um "saudável pluralismo" político e ideológico na informação televisiva? Acharão "natural"? Duvido. Mas nessa altura já será tarde.
Etiquetas: comunicação social, eleições francesas, sondagens
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