terça-feira, outubro 02, 2007

Quatro ideias simples sobre as directas no PSD

1. A vitória de Menezes não foi uma surpresa. Nas sondagens, enquanto José Sócrates perdia popularidade desde Março deste ano, Marques Mendes conseguia o feito notável de perder ainda mais do que Sócrates. À beira das directas, Luís Filipe Menezes era visto como mais apto para liderar o partido quer pelos eleitores em geral, quer pelos eleitores do PSD. Sobre este último ponto havia, claro, uma subtileza a tomar em conta: entre os "actuais" eleitores do PSD, Marques Mendes parecia liderar. Mas era precisamente a sua maior simpatia por Mendes que fazia deles eleitores "actuais". Já entre os "simpatizantes" ou mesmo "votantes do PSD em 2005", definições muito mais fiáveis da base eleitoral do partido, Menezes dominava confortavelmente.

Isto é importante porque ajuda a explicar uma das consequências que tendem a resultar das eleições directas dos líderes partidários: a sintonia entre as lideranças e a base eleitoral dos partidos e eliminação precoce de líderes eleitoralmente inviáveis. Digo "tendem", porque nem sempre é assim. Nas famosas directas de 1998 para a liderança do PSOE, a surpreendente vitória de Josep Borrell sobre Joaquin Almunia colocou no poder uma figura desejada apenas pelos militantes situados à esquerda quer dos quadros dirigentes, quer das bases eleitorais do partido. Contudo, em partidos como o PSD, onde a ideologia conta para pouco, não há grandes diferenças entre os militantes e base eleitoral mais alargada.

2. A culpa do que se passou não é das directas. Há sempre quem ache que são elas as culpadas de que o debate político se centre nos atributos dos líderes e não em programas políticos. Ou de que se beneficiem figuras que recorrem directamente aos media e aos apelos directos à opinião pública, em vez de adquirirem capital político em percursos tradicionais no Parlamento ou no governo. O resultado é, ao que parece, o "populismo". Mas quem critica tudo isto, de que julga que se faz, nas democracias modernas, a política eleitoral? E quem poderia achar que o PSD é, neste momento, outra coisa que não aquilo que se viu? As directas trazem para dentro dos partidos o que está lá fora e revelam para fora aquilo de que eles são realmente feitos. A primeira função é útil para o partido. A segunda é instrutiva para todos nós.

3. O resultado ilustra a crescente importância do poder local na política nacional. Há uns meses, a propósito do fenómeno dos "candidatos independentes", mencionei aqui que uma das características emergentes em muitos partidos contemporâneos é a sua transformação em "estratarquias", onde cada nível da organização partidária - nacional, regional, local - é relativamente autónomo em relação aos restantes, dispondo de mãos livres para gerir a distribuição de lugares políticos no nível respectivo. Por outras palavras, à medida que a descentralização política cria subsistemas com algum grau de autonomia e que a coesão ideológica e programática perde importância, a solução que os partidos encontram para não se dilacerarem internamente é a acomodação mútua, uma espécie de laissez-faire intrapartidário: vocês gerem os vossos assuntos aí na capital, e deixam-nos gerir os nossos. Marques Mendes quis remar contra esta maré, e a maré passou-lhe por cima.

De resto, o resultado destas directas no PSD chama claramente a atenção para outra das consequências da eleição directa das lideranças partidárias. Nos Estados Unidos, a generalização das primárias - fenómeno que só acelerou decisivamente no início dos anos 70 -produziu uma mudança no perfil dos candidatos presidenciais: um aumento dos ex-governadores estaduais em desfavor dos detentores de cargos públicos a nível federal. Das 14 candidaturas presidenciais dos partidos democrata e republicano desde 1980, oito foram de ex-governadores, e só em 1988 uma destas candidaturas perdeu uma eleição presidencial. A vitória de Borrell em 1998 pode ser vista pelo mesmo prisma: o da ascendência, através das directas, de figuras que retiram parte do seu capital político da ligação sólida a interesses e bases eleitorais subnacionais, em vez de o retirarem exclusivamente de uma carreira política nacional no topo da hierarquia partidária. Menezes já pode ser contado como um exemplo adicional deste mesmo fenómeno.

4. O resultado não é um desastre para o PSD. Há quem preveja um futuro de divisionismo, o abandono das "elites" do partido e a queda no abismo. Calma. Em primeiro lugar, convém recordar que, em rigor, foi Marques Mendes quem foi abandonado pelas "elites" no meio do seu labirinto lisboeta, quem sabe se por alguns daqueles que agora vêm profetizar a "desgraça". Em segundo lugar, voltemos ao caso das directas do PSOE: é certo que, na altura, dividiram o partido, mas isso não chegou para pôr em risco a sua coesão. De resto, foi com o abalo causado pelas directas de 1998 que o PSOE começou a sair da passividade e da sombra do "filipismo". E recordemos, já agora, o que passou de seguida. No ano seguinte, Borrell já tinha abandonado a liderança após acusações de corrupção. Em 2000, os restos do "filipismo" eram cilindrados eleitoralmente pelo PP - para que, finalmente, em 2004, o PSOE já estivesse pronto para triunfar e governar. Se quisermos ser realistas, toda a gente sabe que as próximas legislativas, para o PSD, seriam sempre, em princípio, para perder. E o que preferiam essas tais "elites" do PSD? Que seja Menezes o derrotado em 2009, ou que fosse Menezes a aparecer como líder após essa derrota? Se pensarem bem, verão que a coisa não correu tão mal como isso.

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