terça-feira, outubro 16, 2007

Populistas e antipopulistas

A vitória de Luís Filipe Menezes nas eleições para a liderança do PSD tem gerado muitos comentários, maioritariamente críticos e receosos, sobre a "ascensão do populismo" que supostamente representa. É como se se tivesse aberto uma nova era na política portuguesa, em suposta ruptura com o passado. Mas não é fácil perceber que espécie de "populismo" é esse que terá agora nascido, nem a que passado glorioso vem agora pôr fim. Será esse passado aquele em que os partidos portugueses eram organizações solidamente estruturadas e ancoradas em bases sociais identificáveis, em vez de concentrarem poderes em "chefes" que dialogam directamente, através dos meios de comunicação social, com "as massas anónimas"? Aquele em que os votantes faziam escolhas eleitorais na base da congruência entre as propostas políticas dos partidos e os seus próprios valores e ideias, em vez se basearem no mero descontentamento em relação ao desempenho recente das lideranças ou nas supostas qualidades pessoais dos candidatos? Talvez seja aquele em que os líderes dos partidos com ambição de chegar ao poder se escusavam a explorar o descontentamento social, abdicando de fazer propostas eleitoralistas, inexequíveis e insustentáveis a longo prazo? Ou será aquele em que a retórica e a acção políticas evitavam colocar em confronto os interesses das "elites", dos "privilegiados" ou das "corporações" contra o "interesse geral" do "povo"?

Deixemos de lado a questão de saber se estes "passados" alguma vez existiram nas democracias ocidentais, particularmente as mais antigas e consolidadas. O certo é que, pelo menos em Portugal, eles são todos virtuais. Os partidos portugueses (à excepção do PCP) foram todos criados num momento de transição de regime, ainda por cima de uma transição que se deu por colapso do regime anterior. Orientaram-se desde o início para a ocupação de cargos políticos e para a disputa do poder nesse novo regime, e não para se estruturarem como organizações ligadas à sociedade e capazes de agregar interesses sociais. Nasceram, ainda por cima, num momento histórico em que, na generalidade das democracias ocidentais, o desenvolvimento dos meios de comunicação social e o recurso a formas de financiamento que iam para além a contribuição dos militantes começavam a mudar a natureza dos partidos, dispensando as formas tradicionais de mobilização e concentrando poder nas lideranças. Têm e sempre tiveram eleitorados fluidos e, em grande medida, socialmente indiferenciados, deslocando sistematicamente o combate político e as escolhas eleitorais do terreno das ideologias e dos programas para o do desempenho governativo e das qualidades dos candidatos, favorecendo um estilo plebiscitário e personalista de actuação política. Num país em que a Constituição foi revista sete vezes em 31 anos, o "respeito pelas instituições" só pode ser, digamos, relativo. E não terão sido a irresponsabilidade e o eleitoralismo fiscais a norma da governação nas últimas três décadas, só se lhes pondo fim, com ajustamentos e custos sociais penosos, quando as ordens - primeiro do FMI, depois da União Europeia - vieram de fora?

Não me parece absolutamente evidente, por isso, a que passado de "responsabilidade" e "institucionalismo" a ascensão de figuras como Santana Lopes, em 2004, ou como Menezes, agora, vieram pôr fim. Há certamente muitas diferenças de estilo entre eles e aqueles que, supostamente, representam as alternativas mais "sérias", dentro e fora do PSD. Mas está por provar que as diferenças sejam de substância. Se o "populismo" for, na sua acepção mais simples, um método político através do qual a maximização dos votos e a busca do apoio do "povo" contra as "elites" se sobrepõe à exequibilidade das políticas e à representação de interesses sociais, as diferenças parecem-me, confesso, ser mais de grau e de circunstâncias do que, verdadeiramente, de espécie. Menezes e os seus predecessores e concorrentes são criaturas de um mesmo sistema político, não tão favorável ao populismo como aqueles que se encontram ainda na América Latina ou na Europa de Leste, mas não tão longe desses casos como se imaginaria.

Mas suponhamos, por um momento, que a nova liderança do PSD representa de facto um fenómeno verdadeiramente novo e nocivo no sistema político português. Como lhe responder? Há maneiras e maneiras. Anteontem, Manuela Ferreira Leite, dirigindo-se ao congresso do PSD, explicava por que razão os temas da regionalização e do referendo europeu não deveriam fazer parte da agenda do partido no futuro próximo. Quanto ao primeiro, cito de memória, isso corresponderia a "servir de lebre ao PS" e a perder uma bandeira (a da oposição à regionalização) que tinha dado sucessos políticos e eleitorais ao partido no passado. Quanto ao referendo europeu, ele seria de evitar porque obrigaria a fazer campanha com o PS sobre um tema no qual os dois partidos estão de acordo, desfavorecendo, mais uma vez, a possibilidade de o segundo se diferenciar do primeiro. Sobre se a regionalização, o tratado europeu ou a sua submissão a referendo são "bons" ou "maus" em si mesmos, não recordo uma palavra. Assim, os eleitores que tenham ouvido Manuela Ferreira Leite só podem chegar a duas conclusões. A primeira é que a entrada ou saída dos temas da agenda não tem, pelos vistos, rigorosamente nada a ver com a sua substância, mas sim com a maneira ela como pode afectar o "jogo" político e as perspectivas eleitorais do partido. A segunda é que os "antipopulistas" não têm apenas receio das lideranças "populistas": aquilo de que eles têm mais receio é, afinal, dos eleitores. É desta maneira de lidar com o populismo que, receio, o populismo melhor se poderá alimentar.

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