O "caso Freeport" e as sondagens
No seguimento das notícias das últimas semanas sobre a actuação do primeiro-ministro no caso Freeport, as primeiras sondagens que pudessem medir os efeitos da controvérsia sobre as intenções de voto dos eleitores eram esperadas com alguma curiosidade. Os primeiros resultados já aí estão e parecem, à primeira vista, intrigantes. Das quatro sondagens divulgadas que permitem alguma espécie de comparação entre o pré e o pós-Freeport, apenas uma indica uma diminuição significativa das intenções de voto no Partido Socialista, ao passo que as restantes (incluindo as duas mais recentes) sugerem estabilidade geral. Descontando a habitual - e habitualmente infrutífera - discussão sobre a "seriedade" e a "manipulação" das sondagens, já levantada a este propósito pelo PSD, importa tentar perceber o que isto quer dizer sobre a opinião pública.
A verdade é que o caminho que vai entre a existência de notícias que colocam em causa a seriedade da actuação de um líder político e quaisquer mudanças no comportamento eleitoral é muito mais longo e sinuoso do se possa supor. Em primeiro lugar, é preciso que os eleitores convertam um tema da agenda pública num tema da sua "agenda política pessoal". Não é evidente que isso já tenha acontecido para a generalidade dos eleitores. Numa sondagem da Universidade Católica (que coordenei) conduzida até ao passado dia 1 de Fevereiro, apenas metade dos eleitores diziam ter seguido o caso com "muito" ou "algum" interesse. Os restantes dividiam-se entre manifestações de pouco ou nenhum interesse ou mesmo de ignorância sobre o assunto. O mundo em que vivem jornalistas, políticos e comentadores - o da "opinião publicada" - não é representativo daquele em vive a generalidade dos portugueses. E sem exposição e atenção à mensagem não pode haver mudança de atitudes.
Em segundo lugar, é preciso que os eleitores expostos à informação formem um juízo sobre o tema. Contudo, muitos, aparentemente, ainda não o terão feito. Na mesma sondagem, na questão de saber se acreditavam nas afirmações do primeiro-ministro sobre a inexistência de favorecimentos no processo do licenciamento do Freeport, cerca de um terço daqueles que tinham ouvido falar do caso não tinham ainda formado uma convicção sobre o assunto. E mesmo os que o tinham feito, fizeram-no em grande medida na base das suas predisposições políticas prévias. Alguns dos dados mais curiosos a este respeito resultam do cruzamento entre as simpatias partidárias dos eleitores e as suas opiniões sobre a actuação do primeiro-ministro: 70 por cento dos simpatizantes do PS que tinham formado uma convicção sobre o assunto acreditavam em José Sócrates, ao passo que 75 por cento dos simpatizantes de partidos da oposição não acreditavam. Como deveria ser óbvio, os eleitores não são receptáculos vazios onde se pode depositar as ideias que muito bem se entenda. Têm predisposições e atitudes prévias que servem de filtros da informação a que são expostos e os levam, quando chamados a pronunciar-se sobre um assunto, a seleccionar algumas considerações sobre ele com maior probabilidade do que outras. Importante, deste ponto de vista, é a capacidade de fornecer aos eleitores uma narrativa que os deixe insensíveis em relação às mensagens negativas. Muitos, incluindo eu próprio, poderão ter ficado inicialmente perplexos quando as notícias sobre uma investigação de uma força policial de um país estrangeiro foram descritas pelo PS como parte de uma "campanha negra". Mas a verdade é que o argumento colou junto dos simpatizantes socialistas: 80 por cento dos que manifestaram opinião sobre o assunto acreditam na existência dessa campanha. E diga-se que a ideia ganhou credibilidade acrescida à medida que alguns meios de comunicação social foram divulgando notícias que resultaram de supostas "investigações" sobre a família do primeiro-ministro, a sua vida privada e os seus negócios, algumas delas já entretanto desmentidas. Como o caso Lewinsky mostrou nos Estados Unidos, até a revelação de que um líder político faltou à verdade pode ser insuficiente para mudar as opiniões dos eleitores quando vinga entre eles a percepção de que as notícias resultaram de objectivos igualmente censuráveis.
Os obstáculos que a exposição diferencial à informação e as predisposições prévias dos eleitores colocam à mudança de atitudes já seriam suficientemente importantes para mitigar expectativas de que o caso Freeport pudesse ter reflexos imediatos nas intenções de voto. Mas há mais. Essas expectativas partem do princípio de que há uma relação directa entre a avaliação que é feita dos líderes políticos e o comportamento eleitoral. Contudo, por um lado, essa avaliação é apenas um dos muitos factores que influenciam as decisões dos indivíduos, competindo com outros factores de curto e de longo prazo, tais como as preferências ideológicas, a simpatia partidária, a avaliação da situação da economia ou a percepção da existência de alternativas. Por outro lado, os universos em relação aos quais as avaliações dos líderes políticos e as intenções de voto são medidas nas sondagens são diferentes. Quase todos os eleitores são capazes de exprimir um juízo qualquer sobre a simpatia que lhes inspira um político ou a avaliação da sua actuação. Mas são bastante menos aqueles que exprimem uma intenção de voto. De resto, à luz das eleições anteriores, é bastante provável que pelo menos um terço deles acabe por não votar. E os que exprimem agora uma qualquer intenção de voto tendem a ser, precisamente, aqueles que dispõem das predisposições políticas mais claras com que filtram e processam a informação.
Isto não implica que o caso Freeport venha a ser irrelevante nas eleições de 2009. O anterior "caso da licenciatura" teve de facto reflexos nas sondagens, imediatos no que respeita à popularidade do primeiro-ministro e mais lentos e mitigados no que respeita às intenções de voto no PS, marcando o início de um lento declínio que só em Outubro passado - com a crise económica - tinha sido invertido. Mas talvez ajude a mostrar a ingenuidade das expectativas de que este caso teria de produzir efeitos imediatos nas sondagens eleitorais. Agitar agora ideia da "manipulação das sondagens", tal como sucedeu com a ideia de uma "campanha negra", faz parte normal da luta política, e até pode ajudar alguns eleitores a racionalizarem os resultados e reforçarem as suas convicções. Mas não muda a realidade da actual correlação de forças na opinião pública.
A verdade é que o caminho que vai entre a existência de notícias que colocam em causa a seriedade da actuação de um líder político e quaisquer mudanças no comportamento eleitoral é muito mais longo e sinuoso do se possa supor. Em primeiro lugar, é preciso que os eleitores convertam um tema da agenda pública num tema da sua "agenda política pessoal". Não é evidente que isso já tenha acontecido para a generalidade dos eleitores. Numa sondagem da Universidade Católica (que coordenei) conduzida até ao passado dia 1 de Fevereiro, apenas metade dos eleitores diziam ter seguido o caso com "muito" ou "algum" interesse. Os restantes dividiam-se entre manifestações de pouco ou nenhum interesse ou mesmo de ignorância sobre o assunto. O mundo em que vivem jornalistas, políticos e comentadores - o da "opinião publicada" - não é representativo daquele em vive a generalidade dos portugueses. E sem exposição e atenção à mensagem não pode haver mudança de atitudes.
Em segundo lugar, é preciso que os eleitores expostos à informação formem um juízo sobre o tema. Contudo, muitos, aparentemente, ainda não o terão feito. Na mesma sondagem, na questão de saber se acreditavam nas afirmações do primeiro-ministro sobre a inexistência de favorecimentos no processo do licenciamento do Freeport, cerca de um terço daqueles que tinham ouvido falar do caso não tinham ainda formado uma convicção sobre o assunto. E mesmo os que o tinham feito, fizeram-no em grande medida na base das suas predisposições políticas prévias. Alguns dos dados mais curiosos a este respeito resultam do cruzamento entre as simpatias partidárias dos eleitores e as suas opiniões sobre a actuação do primeiro-ministro: 70 por cento dos simpatizantes do PS que tinham formado uma convicção sobre o assunto acreditavam em José Sócrates, ao passo que 75 por cento dos simpatizantes de partidos da oposição não acreditavam. Como deveria ser óbvio, os eleitores não são receptáculos vazios onde se pode depositar as ideias que muito bem se entenda. Têm predisposições e atitudes prévias que servem de filtros da informação a que são expostos e os levam, quando chamados a pronunciar-se sobre um assunto, a seleccionar algumas considerações sobre ele com maior probabilidade do que outras. Importante, deste ponto de vista, é a capacidade de fornecer aos eleitores uma narrativa que os deixe insensíveis em relação às mensagens negativas. Muitos, incluindo eu próprio, poderão ter ficado inicialmente perplexos quando as notícias sobre uma investigação de uma força policial de um país estrangeiro foram descritas pelo PS como parte de uma "campanha negra". Mas a verdade é que o argumento colou junto dos simpatizantes socialistas: 80 por cento dos que manifestaram opinião sobre o assunto acreditam na existência dessa campanha. E diga-se que a ideia ganhou credibilidade acrescida à medida que alguns meios de comunicação social foram divulgando notícias que resultaram de supostas "investigações" sobre a família do primeiro-ministro, a sua vida privada e os seus negócios, algumas delas já entretanto desmentidas. Como o caso Lewinsky mostrou nos Estados Unidos, até a revelação de que um líder político faltou à verdade pode ser insuficiente para mudar as opiniões dos eleitores quando vinga entre eles a percepção de que as notícias resultaram de objectivos igualmente censuráveis.
Os obstáculos que a exposição diferencial à informação e as predisposições prévias dos eleitores colocam à mudança de atitudes já seriam suficientemente importantes para mitigar expectativas de que o caso Freeport pudesse ter reflexos imediatos nas intenções de voto. Mas há mais. Essas expectativas partem do princípio de que há uma relação directa entre a avaliação que é feita dos líderes políticos e o comportamento eleitoral. Contudo, por um lado, essa avaliação é apenas um dos muitos factores que influenciam as decisões dos indivíduos, competindo com outros factores de curto e de longo prazo, tais como as preferências ideológicas, a simpatia partidária, a avaliação da situação da economia ou a percepção da existência de alternativas. Por outro lado, os universos em relação aos quais as avaliações dos líderes políticos e as intenções de voto são medidas nas sondagens são diferentes. Quase todos os eleitores são capazes de exprimir um juízo qualquer sobre a simpatia que lhes inspira um político ou a avaliação da sua actuação. Mas são bastante menos aqueles que exprimem uma intenção de voto. De resto, à luz das eleições anteriores, é bastante provável que pelo menos um terço deles acabe por não votar. E os que exprimem agora uma qualquer intenção de voto tendem a ser, precisamente, aqueles que dispõem das predisposições políticas mais claras com que filtram e processam a informação.
Isto não implica que o caso Freeport venha a ser irrelevante nas eleições de 2009. O anterior "caso da licenciatura" teve de facto reflexos nas sondagens, imediatos no que respeita à popularidade do primeiro-ministro e mais lentos e mitigados no que respeita às intenções de voto no PS, marcando o início de um lento declínio que só em Outubro passado - com a crise económica - tinha sido invertido. Mas talvez ajude a mostrar a ingenuidade das expectativas de que este caso teria de produzir efeitos imediatos nas sondagens eleitorais. Agitar agora ideia da "manipulação das sondagens", tal como sucedeu com a ideia de uma "campanha negra", faz parte normal da luta política, e até pode ajudar alguns eleitores a racionalizarem os resultados e reforçarem as suas convicções. Mas não muda a realidade da actual correlação de forças na opinião pública.
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