terça-feira, janeiro 27, 2009

Quando não há uma maioria absoluta

Com a aproximação das eleições, dada a percepção de que o PS está mais bem colocado para as ganhar que o PSD mas que só muito dificilmente conseguirá repetir a maioria absoluta, cresce a discussão sobre soluções alternativas de governo. Independentemente do debate sobre a desejabilidade intrínseca desta ou daquela solução, que deixo para outros, vale a pena tentar abordar dois pontos prévios. Que soluções existem? E que factores tendem a levar à adopção de umas ou de outras?Tradicionalmente, a principal alternativa concebida a um governo maioritário monopartidário é uma "coligação maioritária mínima", ou seja, reunindo o mínimo número de partidos necessários para formar uma maioria. O raciocínio por detrás disto é simples: estar no governo tem vantagens e estar na oposição tem custos. Logo, quanto menos forem aqueles que partilham os benefícios, melhor para eles, fazendo com que os incentivos para alargar a coligação a membros desnecessários sejam inexistentes. Em Portugal, por exemplo, este raciocínio ditaria que o desfecho de uma eleição onde o PS seria vencedor sem maioria absoluta seria inevitavelmente a formação de uma coligação com o menor e único partido no Parlamento que fosse suficiente para chegar a uma maioria. Neste momento, à luz das sondagens, esse partido seria, presumivelmente, o CDS-PP, e é precisamente este o cenário que vem sendo agitado mais frequentemente na comunicação social.

O problema, claro, é que a realidade não se conforma facilmente às pressuposições do modelo ou às previsões que dele decorrem. No pós-guerra, mesmo se excluirmos os governos de maioria absoluta - uma raridade -, menos de metade dos governos formados na Europa foram "coligações maioritárias mínimas". O resto são governos minoritários - cuja frequência tem aumentado ao longo das décadas - e coligações sobredimensionadas, ilustradas, por exemplo, pela actual coligação entre a CDU/CSU e o SPD na Alemanha ou o Bloco Central entre 1983 e 1985 em Portugal.

O que está por detrás desta diversidade de desfechos possíveis? Em primeiro lugar, as regras institucionais podem criar desincentivos à formação de coligações. Quando um governo não necessita da aprovação de uma maioria no parlamento - de uma investidura formal - para entrar em funções, quando dispõe de poderes legislativos próprios consideráveis sem carecer de passar sistematicamente pelo parlamento para dar andamento às suas políticas, ou quando as regras impõem maiorias mais exigentes para derrubar um governo do que para o manter em funções, a necessidade de formar coligações diminui. O que acabo de descrever é, de resto, uma fotografia do caso português, cujas regras institucionais parecem, em grande medida, ter sido desenhadas a regra e esquadro para permitir a formação e sobrevivência de um governo minoritário do PS, à luz da situação política que prevalecia em 1976.

Segundo, ocupar lugares na governação não é a única consideração que prevalece nos cálculos dos agentes políticos. O puzzle que tem de ser resolvido é muito mais complicado. A viabilidade de uma coligação depende também quer da proximidade ideológica dos potenciais parceiros quer da antecipação que fazem das consequências eleitorais futuras de uma coligação. Curiosamente, estas considerações parecem jogar em direcções contraditórias no caso português. Por um lado, se é verdade que a amplamente demonstrada flexibilidade ideológica do CDS-PP consente imaginarmos uma sua aproximação ao PS, já é mais difícil imaginar, no momento presente e no rescaldo da governação socialista dos últimos quatro anos, que a cada vez mais visível ala esquerda do partido assentisse pacificamente a semelhante solução, com as consequências para a coesão interna do PS que se seguiriam. Por outro lado, e independentemente da mera possibilidade de uma coligação entre o PS e o PCP ou o BE do ponto de vista ideológico, é difícil imaginar que os partidos à esquerda do PS decidam ignorar as mais que prováveis consequências de um acordo governamental com os socialistas. O desfecho habitual deste tipo de coligações é a perda do estatuto de "irresponsabilidade" política dos parceiros mais pequenos, a sua necessidade de contemporizar com as preferências do partido dominante da coligação e a sua punição eleitoral nas eleições subsequentes. Num contexto de crise económica sem fim à vista e de competição voto a voto pela dominância do espaço político à esquerda do PS, a margem de manobra que o BE ou o PCP têm disponível para correrem este tipo de riscos é praticamente nula.

O que sobra são as duas soluções que, salvo uma brevíssima excepção, o PS teve de adoptar quando ganhou eleições sem maioria: um governo minoritário ou uma coligação sobredimensionada com o PSD. Mas também aqui, como sugerem vários capítulos de um livro muito recente de Kaare Strøm, Wolfgang Müller e Torbjörn Bergman na Oxford University Press (Cabinets and Coalition Bargaining), há factores que jogam em direcções contraditórias. Por um lado, as coligações sobredimensionadas tendem precisamente a surgir em contextos muito próximos daqueles que vivemos actualmente: a dificuldade em formar uma coligação mínima devido a constrangimentos ideológicos e eleitorais e a existência de circunstâncias de grave incerteza e insegurança, neste caso quanto à situação económica. Contudo, por outro lado, a solução de governo com maiores custos eleitorais subsequentes é precisamente a das coligações sobredimensionadas, que podem constituir, especialmente em situações de crise, um jackpot eleitoral para os partidos excluídos do governo.Logo, um partido a quem foi negada uma maioria absoluta e que não consegue formar uma coligação mínima, mas que permanece o pivot do sistema, podendo negociar leis caso a caso com diferentes partidos ("leiloando para baixo" aquilo que tem de dar em troca) e transferir para a oposição o ónus de uma futura possível ingovernabilidade, tenderá a pensar várias vezes antes de se deitar na mesma cama com o seu maior adversário eleitoral. A não ser, claro, que haja alguém que não lhe dê outra alternativa.