terça-feira, janeiro 13, 2009

Três interrogações sobre as eleições de 2009.

A primeira interrogação suscitada pelo calendário eleitoral de 2009 tem a ver com a dimensão do castigo que os eleitores aplicarão ao PS nas legislativas. Nas democracias parlamentares, os partidos de governo são quase sempre castigados eleitoralmente. Este negative incumbency effect, documentado originalmente num estudo de 1993 de Richard Rose e Thomas Mackie, contraria claramente o que sucede noutros níveis de governo (eleições locais ou regionais) ou até noutro tipo de democracias (regimes presidenciais, por exemplo). Contudo, em Portugal, este fenómeno parece afectar especialmente o Partido Socialista. Foi assim em 1979 e em 1985, e só aparentemente isso não terá ocorrido em 1999. Só aparentemente porque, na verdade, dados de inquéritos pós-eleitorais revelam uma mutação importante do eleitorado socialista de 1995 para 1999: uma deserção dos eleitores mais à esquerda que compunham a coligação eleitoral anterior, que só a boa situação da economia terá compensado, sem ter impedido, mesmo assim, quer um forte aumento da abstenção, quer a subida dos partidos à esquerda do PS.

Hoje, poucos duvidarão que possíveis perdas para a esquerda e para a abstenção serão, precisamente, o obstáculo fundamental à renovação da maioria absoluta por parte do PS. E desta vez não há, claro, bom desempenho económico para mostrar. No entanto, como mencionei há duas semanas, a natureza da crise económica actual, tal como é apercebida pelos eleitores, pode favorecer em vez de desfavorecer o Governo. Acresce que o primeiro-ministro é candidato, e nunca um primeiro-ministro perdeu eleições em Portugal. Já no PSD, a acreditar na imprensa, uma parte significativa do partido já só aguarda a derrota em 2009 para conduzir Passos Coelho à liderança. Em suma, alguma espécie de castigo o PS certamente sofrerá, mas resta saber qual será a sua dimensão, os seus beneficiários e se não será compensado por outros factores.

A segunda interrogação eleitoral para 2009 tem a ver com a tendência para o bipartidarismo em Portugal e com o desempenho dos pequenos partidos, em particular os que se situam à esquerda do PS. Um dos acontecimentos mais fascinantes no sistema político português foi a extraordinária mutação ocorrida entre 1985 e 1987, através da qual um sistema multipartidário se converteu num bipartidarismo, com o PSD e o PS a recolherem praticamente quatro em cada cinco dos votos válidos dos eleitores portugueses em cada eleição legislativa. O que a torna fascinante é o facto de ter ocorrido sem mudanças relevantes no sistema eleitoral, único factor que costuma ditar mudanças desta magnitude.

Contudo, nas eleições de 2005, a soma das percentagens de votos de PS e PSD foi a menor desde, precisamente, 1987. E por estes dias, em muitas sondagens, CDU e Bloco de Esquerda somam mais de 20 por cento dos votos, o que, a confirmar-se, deverá ser suficiente para que 2009 seja uma eleição onde se abrirá mais uma brecha no bipartidarismo português. Mas, apesar de haver boas razões, como vimos logo no início, para esperar um bom desempenho dos partidos à esquerda do PS, isso não elimina algumas dúvidas relevantes, nomeadamente quanto do desempenho do Bloco. Uma tese de doutoramento defendida recentemente em Coimbra pelo psicólogo Rui Antunes mostra que, ao contrário do que sucede entre os eleitores do PS e do PCP - segmentos cuja comunicabilidade deverá ser quase nula - aqueles que se identificam com o BE e com o PS têm alguma proximidade entre si, não se colocando numa zona de total exclusão mútua. Isto pode funcionar, claro, nos dois sentidos. Um estudo de painel realizado pelo Instituto de Ciências Sociais em 2005 e 2006 mostrava que, nas presidenciais, parte dos votos de Francisco Louçã vieram de eleitores que tinham votado no PS. Mas mostrava também que parte dos anteriores votantes no BE não se coibiram de votar em Manuel Alegre, mesmo com Louçã no boletim de voto. Sócrates não é, claro, Alegre. Mas há para estes lados uma fluidez que não deixará o Bloco dormir descansado nos próximos meses, e que deverá estar por detrás, de resto, das hesitações recentes em torno da "convergência das esquerdas".

Uma terceira interrogação tem a ver com as consequências para as eleições legislativas de uma eventual simultaneidade com as europeias ou as autárquicas, cenários que têm sido agitados nos últimos dias. Esta interrogação é diferente porque não lhe conheceremos a resposta: seja o que for que suceda, não teremos ponto de comparação directo. Mas podemos especular. A acreditar na imprensa, o PS parece achar que o cenário da antecipação e simultaneidade com as europeias lhe é mais favorável, temendo talvez uma punição que as europeias impliquem para o partido de governo e as suas consequências para umas legislativas subsequentes, ou até que a coincidência de legislativas e autárquicas seja mais favorável ao PSD. Mas tudo isto é demasiado incerto. Por um lado, quanto às europeias, sabe-se que quando são conduzidas no final do ciclo eleitoral - perto das eleições seguintes - tendem a produzir perdas muito reduzidas para os partidos de governo. O único caso em Portugal, as europeias de Junho de 1999, não é desviante (o PS teve 43 por cento dos votos) e o efeito de demonstração que um bom resultado nas europeias poderia ter para o que se segue não seria despiciendo. Por outro lado, o pouco que se sabe sobre a ocorrência de eleições locais e nacionais nos sistemas políticos europeus não apoia muito a noção de um efeito de contaminação entre as duas eleições. Em países como a Dinamarca ou a Suécia, nas locais e nacionais simultâneas de, respectivamente, 2001 e 2002, mais de um quarto dos eleitores votaram em partidos diferentes consoante o tipo de eleição. E no Reino Unido, onde a situação tem sido mais frequente nos últimos 20 anos, os estudos mostram que os factores que influenciam a decisão de voto num e noutro nível de governo são relativamente independentes. É possível que toda a intriga dos últimos dias seja, afinal, por nada.