Remodelações e popularidade
Um dos desportos favoritos do jornalismo político consiste em tentar antecipar, explicar ou apreciar as consequências de remodelações governamentais. O caso mais recente em Portugal é o de Rui Pereira, cujo lugar vai sendo visto como estando em perigo na sequência da vaga de notícias sobre assaltos e insegurança e do puxão de orelhas recebido de Belém. Mas ao longo de um mandato típico, em reacção a escândalos, declarações desajeitadas, medidas contestadas ou maus indicadores de desempenho, há sempre inúmeras especulações sobre quem vai ser despedido de um governo e quando isso irá suceder.
A abordagem típica do problema olha para o primeiro-ministro como uma espécie de termóstato da popularidade governamental: quando a popularidade de um ministro desce, colocando em risco a imagem pública do governo, o ministro é demitido de forma a reequilibrar essa popularidade. Inclusivamente, defende-se muitas vezes - provavelmente com alguma razão - que estas remodelações são geridas ao longo do ciclo eleitoral. Concentrando as medidas políticas mais controversas numa primeira fase do mandato, o líder do partido de governo teria incentivos para despedir o ministro responsável num momento mais tardio do mandato, transferindo as culpas por essas medidas de forma a preparar a reeleição. A teoria da remodelação como resultado e correctivo da impopularidade foi, de resto, fleumaticamente defendida por umas das vítimas mais recentes do processo, o ex-ministro Correia de Campos, que numa recente entrevista ao PÚBLICO explicava a sua demissão na base das suas "baixíssimas quotas de popularidade", "falta de sintonia com a população" e "exaustão política nos media e na opinião publicada".
Contudo, como se explica, assim, por exemplo, a permanência no governo de ministros que são ou foram extremamente impopulares neste governo ou nos anteriores, tais como Maria de Lurdes Rodrigues ou Manuela Ferreira Leite, Manuel Pinho ou Bagão Félix, para dar apenas alguns exemplos? O primeiro aspecto a tomar em conta são as consequências ambíguas que as remodelações governamentais têm na popularidade dos governos. Um artigo de 2005 sobre o tema no American Journal of Political Science mostra que, no Reino Unido, as demissões de ministros altamente contestados na imprensa e pela oposição tendem de facto a produzir efeitos benéficos na popularidade do governo. Mas esse efeito nem sempre é garantido. Quando as demissões ocorrem como aparente consequência não tanto da impopularidade de um ministro mas sim de discordâncias no seio do governo sobre políticas concretas, o efeito é o inverso. Por outras palavras, as remodelações podem, em si mesmas, ser causadoras de impopularidade, sinalizando a existência de fraquezas e crises no interior do governo, conflitos intrapartidários ou da própria incompetência do primeiro-ministro e líder do governo para gerir a sua equipa.
Em segundo lugar, por muito que pareça que os líderes partidários estão obcecados com sondagens e com opinião publicada, a concepção do seu papel a este nível como meros termóstatos da popularidade governamental é, certamente, redutora. Há várias coisas que um primeiro-ministro necessita dos membros da equipa governamental. É bom que sejam populares e assim fortaleçam a posição do governo, mas é perigoso que sejam demasiado populares, não se vão eles tornar rivais do líder do partido e, logo, figuras com incentivos para a deslealdade (Gordon Brown bem o pode dizer, a propósito de David Milliband). É também bom que tenham competência técnica e dominem os assuntos ligados à pasta, mas é perigoso que tenham demasiado controlo sobre assuntos complexos que o primeiro-ministro não domine, adquirindo assim excessiva autonomia e podendo não subordinar a sua acção às prioridades políticas gerais do governo. É bom que tenham experiência e estabeleçam boas relações com as direcções gerais e funcionários públicos que vão controlar, e a substituição frequente dos detentores de uma pasta não ajuda certamente a esse fim. Mas é perigoso que se aproximem demasiado dos interesses do aparelho de Estado que são supostos controlar ou dos interesses envolvidos que são supostos conciliar, não vão tornar-se aliados de um ou outro contra os interesses do partido e do governo.
É talvez por tudo isto que os - escassos - estudos existentes sobre os factores que explicam as remodelações governamentais acabem por concluir que a (im)popularidade dos governos e dos ministros não é necessariamente a única ou até a melhor explicação para a frequência com que as remodelações têm lugar. Em dois artigos recentes, os politólogos Indridi Indridason e Christopher Kam mostram que há dois principais factores, para além da impopularidade, que ajudam a explicar a frequência com que ocorrem remodelações. Por um lado, elas são mais frequentes nos sistemas políticos onde o primeiro-ministro tem uma posição institucional mais débil no interior do governo e em relação ao partido. Essa debilidade ajuda a explicar quer uma probabilidade maior de que se faça uma "má escolha" inicial quer a necessidade de emendar a mão a meio-caminho da forma mais radical possível, demitindo o ministro. Por outro lado, as remodelações não parecem ocorrer de forma aleatória em todas as pastas. Pelo contrário, elas têm lugar com muito maior frequência em pastas onde a complexidade quer organizacional quer das políticas em causa é maior, ou seja, mais uma vez, onde o primeiro-ministro tende a fazer escolhas iniciais menos informadas e onde tem maior dificuldade para controlar a acção dos ministros e limitar a sua autonomia. Um governo que não remodela quando as opiniões pública e publicada o pedem está a limitar a sua capacidade para recuperar popularidade. Mas por outro lado, está a evitar enviar sinais de crise interna que poderiam eles próprios fazer perder capital político e a revelar, mesmo que involuntariamente, que a equipa ministerial se encontra plenamente subordinada à liderança do partido e aos objectivos do primeiro-ministro. Às vezes, compensa ser teimoso.
A abordagem típica do problema olha para o primeiro-ministro como uma espécie de termóstato da popularidade governamental: quando a popularidade de um ministro desce, colocando em risco a imagem pública do governo, o ministro é demitido de forma a reequilibrar essa popularidade. Inclusivamente, defende-se muitas vezes - provavelmente com alguma razão - que estas remodelações são geridas ao longo do ciclo eleitoral. Concentrando as medidas políticas mais controversas numa primeira fase do mandato, o líder do partido de governo teria incentivos para despedir o ministro responsável num momento mais tardio do mandato, transferindo as culpas por essas medidas de forma a preparar a reeleição. A teoria da remodelação como resultado e correctivo da impopularidade foi, de resto, fleumaticamente defendida por umas das vítimas mais recentes do processo, o ex-ministro Correia de Campos, que numa recente entrevista ao PÚBLICO explicava a sua demissão na base das suas "baixíssimas quotas de popularidade", "falta de sintonia com a população" e "exaustão política nos media e na opinião publicada".
Contudo, como se explica, assim, por exemplo, a permanência no governo de ministros que são ou foram extremamente impopulares neste governo ou nos anteriores, tais como Maria de Lurdes Rodrigues ou Manuela Ferreira Leite, Manuel Pinho ou Bagão Félix, para dar apenas alguns exemplos? O primeiro aspecto a tomar em conta são as consequências ambíguas que as remodelações governamentais têm na popularidade dos governos. Um artigo de 2005 sobre o tema no American Journal of Political Science mostra que, no Reino Unido, as demissões de ministros altamente contestados na imprensa e pela oposição tendem de facto a produzir efeitos benéficos na popularidade do governo. Mas esse efeito nem sempre é garantido. Quando as demissões ocorrem como aparente consequência não tanto da impopularidade de um ministro mas sim de discordâncias no seio do governo sobre políticas concretas, o efeito é o inverso. Por outras palavras, as remodelações podem, em si mesmas, ser causadoras de impopularidade, sinalizando a existência de fraquezas e crises no interior do governo, conflitos intrapartidários ou da própria incompetência do primeiro-ministro e líder do governo para gerir a sua equipa.
Em segundo lugar, por muito que pareça que os líderes partidários estão obcecados com sondagens e com opinião publicada, a concepção do seu papel a este nível como meros termóstatos da popularidade governamental é, certamente, redutora. Há várias coisas que um primeiro-ministro necessita dos membros da equipa governamental. É bom que sejam populares e assim fortaleçam a posição do governo, mas é perigoso que sejam demasiado populares, não se vão eles tornar rivais do líder do partido e, logo, figuras com incentivos para a deslealdade (Gordon Brown bem o pode dizer, a propósito de David Milliband). É também bom que tenham competência técnica e dominem os assuntos ligados à pasta, mas é perigoso que tenham demasiado controlo sobre assuntos complexos que o primeiro-ministro não domine, adquirindo assim excessiva autonomia e podendo não subordinar a sua acção às prioridades políticas gerais do governo. É bom que tenham experiência e estabeleçam boas relações com as direcções gerais e funcionários públicos que vão controlar, e a substituição frequente dos detentores de uma pasta não ajuda certamente a esse fim. Mas é perigoso que se aproximem demasiado dos interesses do aparelho de Estado que são supostos controlar ou dos interesses envolvidos que são supostos conciliar, não vão tornar-se aliados de um ou outro contra os interesses do partido e do governo.
É talvez por tudo isto que os - escassos - estudos existentes sobre os factores que explicam as remodelações governamentais acabem por concluir que a (im)popularidade dos governos e dos ministros não é necessariamente a única ou até a melhor explicação para a frequência com que as remodelações têm lugar. Em dois artigos recentes, os politólogos Indridi Indridason e Christopher Kam mostram que há dois principais factores, para além da impopularidade, que ajudam a explicar a frequência com que ocorrem remodelações. Por um lado, elas são mais frequentes nos sistemas políticos onde o primeiro-ministro tem uma posição institucional mais débil no interior do governo e em relação ao partido. Essa debilidade ajuda a explicar quer uma probabilidade maior de que se faça uma "má escolha" inicial quer a necessidade de emendar a mão a meio-caminho da forma mais radical possível, demitindo o ministro. Por outro lado, as remodelações não parecem ocorrer de forma aleatória em todas as pastas. Pelo contrário, elas têm lugar com muito maior frequência em pastas onde a complexidade quer organizacional quer das políticas em causa é maior, ou seja, mais uma vez, onde o primeiro-ministro tende a fazer escolhas iniciais menos informadas e onde tem maior dificuldade para controlar a acção dos ministros e limitar a sua autonomia. Um governo que não remodela quando as opiniões pública e publicada o pedem está a limitar a sua capacidade para recuperar popularidade. Mas por outro lado, está a evitar enviar sinais de crise interna que poderiam eles próprios fazer perder capital político e a revelar, mesmo que involuntariamente, que a equipa ministerial se encontra plenamente subordinada à liderança do partido e aos objectivos do primeiro-ministro. Às vezes, compensa ser teimoso.
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