O drama da maioria absoluta
Agora que o Governo fez três anos, e a cerca de ano e meio das próximas eleições legislativas, um dos desportos preferidos de comentadores, políticos e jornalistas é o de especular sobre a possibilidade de o PS repetir a maioria absoluta que conquistou em 2005. O que há de interessante nesta pergunta não é tanto a resposta que lhe possamos dar mas sim a pergunta em si mesma. Ela denuncia duas coisas. A primeira é a descrença geral, apesar dos protestos e da impopularidade do governo, na possibilidade de vitória de outro partido que não o PS. A segunda é a importância crucial atribuída às maiorias absolutas no nosso país. Poucos dias depois das eleições em Espanha - onde a questão de saber se o PSOE poderia ou não ter maioria absoluta ocupou pouco espaço no debate político - por que parece ser tão importante para tanta gente, em Portugal, a questão da maioria absoluta? Por que tanto parece depender disso?
Se olharmos para a questão do ponto de vista das consequências económicas de diferentes formatos de governo, não é fácil perceber onde está o drama. Comecemos por pegar em dois indicadores de desempenho económico, o crescimento do PIB e a taxa de desemprego. Se olharmos para o período entre 1982 - momento a partir do qual a democracia portuguesa se pode dizer perfeitamente consolidada \u2212 e 2007, uma simples comparação entre o desempenho de governos maioritários monopartidários e outras soluções de governo não dá muitas pistas sobre a desejabilidade de uma ou outra solução. Em média anual, a taxa de desemprego foi igual (6 por cento) em períodos de governos maioritários e minoritários, e o crescimento económico sob governos minoritários (4 por cento) foi inclusivamente superior ao verificado, em média, sob governos maioritários (3 por cento). Nos (breves) governos de coligação, a situação foi de facto pior a ambos os níveis, mas pelo menos num deles (1983-1985) é mais fácil defender a ideia de que foram as circunstâncias económicas que causaram a coligação do que o inverso.
É certo que as comparações anteriores são muito simplistas, e não dão conta da miríade de factores que pode ter influenciado o desempenho económico para além do mero formato do governo. Mas se quisermos ir mais longe, podemos recorrer ao livro de Torsten Persson e Guido Tabellini, The Economic Effects of Constitutions .(2003, MIT Press). Numa sofisticada análise de 50 regimes democráticos durante os anos 90, Persson e Tabellini não detectam qualquer relação entre sistemas eleitorais proporcionais e maioritários (estes últimos invariavelmente resultando em maiorias absolutas monopartidárias) e vários indicadores de desempenho económico ou de políticas promotoras de crescimento ou de produtividade, assim que controlamos o efeito de factores de natureza não política. Isto não significa que não haja diferenças. Mas são diferenças que, em vez de sugerirem a superioridade deste ou daquele tipo de instituições políticas ou soluções de governo, sugerem sim a existência de um "trade-off" entre elas. Sistemas que produzem sistematicamente governos maioritários monopartidários tendem a produzir menores défices orçamentais e a responder de forma mais rápida e adequada a ciclos económicos negativos. Não é evidente, contudo, que num contexto europeu de grandes constrangimentos às políticas orçamentais, esta diferença ainda seja muito relevante, pelo menos no que ao défice diz respeito. Por outro lado, sistemas onde prevalecem governos minoritários ou de coligação tendem a ter políticas sociais mais generosas, que tomam em conta interesses sociais mais amplos e que podem até ser mais eficazes, a julgar por indicadores de desenvolvimento social exibidos por esses países. De resto, não surpreende que assim seja: políticas adoptadas por mecanismos mais consensuais podem representar melhor e ser melhor aceites por uma parte maior da população, gerar menos contestação social e ser aplicadas com menores resistências quer dos interesses sociais organizados quer do aparelho do estado indispensáveis para a sua implementação bem sucedida.
Se é assim, onde está, então o grande drama da eventualidade de, em 2009, assistirmos à impossibilidade de um governo de maioria absoluta? Será o espectro da governação Guterres? Mas Sócrates não é, decididamente, Guterres, nem os anos que se avizinham serão iguais à (ilusoriamente tranquila) segunda metade dos anos 90. Será o espectro do fracasso da experiência de coligação PSD/CDS-PP? Mas do ponto de vista estritamente político o que correu mal nessa coligação não foi tanto a coligação em si - de resto, muito mais solidária e estável do que se imaginaria à partida - mas sim as peripécias ligadas à sua liderança. Deveremos temer a irresponsabilidade dos eleitores, que exigirão de um governo sem maioria intermináveis benesses para compensar os últimos anos? Mas recorde-se foi esse mesmo eleitorado que, em 2004, depois das promessas de subidas de pensões e as reduções de impostos propostas por Santana Lopes para o orçamento do ano seguinte, aplaudiu estrondosamente o seu despedimento sumário às mãos de Jorge Sampaio. E se depois desta governação os eleitores e os interesses sociais exigirem políticas mais consensuais, fruto de maior e melhor diálogo e que canalizem os recursos disponíveis para melhorar a qualidade e equidade das políticas sociais, estarão realmente a pedir algo de irrazoável?
Independentemente daquilo que cada um de nós deseje para cada um dos principais partidos em 2009, o cenário de uma vitória do PS sem maioria absoluta é, de longe, o que parece mais plausível. Isto exige que os partidos de esquerda e centro-esquerda em Portugal pensem desde já nas suas responsabilidades. Uns têm de começar a abandonar os seus complexos em relação ao poder, assim como a pensar duas vezes antes de cavalgarem os protestos na rua como se toda a "boa política" só se pudesse fazer aí. Outros têm de começar a ponderar as consequências da demonização de adversários e de soluções de governo com os quais, quase inevitavelmente, vão ter de conviver. As soluções de compromisso que possam emergir das eleições de 2009 parecerão certamente atraentes a uns e repugnantes a outros. Mas para o bem e para o mal, são aquelas que o sistema consente para se obtenha alguma estabilidade governativa. O vazio, o impasse e a instabilidade seriam, isso sim, o verdadeiro drama.
Se olharmos para a questão do ponto de vista das consequências económicas de diferentes formatos de governo, não é fácil perceber onde está o drama. Comecemos por pegar em dois indicadores de desempenho económico, o crescimento do PIB e a taxa de desemprego. Se olharmos para o período entre 1982 - momento a partir do qual a democracia portuguesa se pode dizer perfeitamente consolidada \u2212 e 2007, uma simples comparação entre o desempenho de governos maioritários monopartidários e outras soluções de governo não dá muitas pistas sobre a desejabilidade de uma ou outra solução. Em média anual, a taxa de desemprego foi igual (6 por cento) em períodos de governos maioritários e minoritários, e o crescimento económico sob governos minoritários (4 por cento) foi inclusivamente superior ao verificado, em média, sob governos maioritários (3 por cento). Nos (breves) governos de coligação, a situação foi de facto pior a ambos os níveis, mas pelo menos num deles (1983-1985) é mais fácil defender a ideia de que foram as circunstâncias económicas que causaram a coligação do que o inverso.
É certo que as comparações anteriores são muito simplistas, e não dão conta da miríade de factores que pode ter influenciado o desempenho económico para além do mero formato do governo. Mas se quisermos ir mais longe, podemos recorrer ao livro de Torsten Persson e Guido Tabellini, The Economic Effects of Constitutions .(2003, MIT Press). Numa sofisticada análise de 50 regimes democráticos durante os anos 90, Persson e Tabellini não detectam qualquer relação entre sistemas eleitorais proporcionais e maioritários (estes últimos invariavelmente resultando em maiorias absolutas monopartidárias) e vários indicadores de desempenho económico ou de políticas promotoras de crescimento ou de produtividade, assim que controlamos o efeito de factores de natureza não política. Isto não significa que não haja diferenças. Mas são diferenças que, em vez de sugerirem a superioridade deste ou daquele tipo de instituições políticas ou soluções de governo, sugerem sim a existência de um "trade-off" entre elas. Sistemas que produzem sistematicamente governos maioritários monopartidários tendem a produzir menores défices orçamentais e a responder de forma mais rápida e adequada a ciclos económicos negativos. Não é evidente, contudo, que num contexto europeu de grandes constrangimentos às políticas orçamentais, esta diferença ainda seja muito relevante, pelo menos no que ao défice diz respeito. Por outro lado, sistemas onde prevalecem governos minoritários ou de coligação tendem a ter políticas sociais mais generosas, que tomam em conta interesses sociais mais amplos e que podem até ser mais eficazes, a julgar por indicadores de desenvolvimento social exibidos por esses países. De resto, não surpreende que assim seja: políticas adoptadas por mecanismos mais consensuais podem representar melhor e ser melhor aceites por uma parte maior da população, gerar menos contestação social e ser aplicadas com menores resistências quer dos interesses sociais organizados quer do aparelho do estado indispensáveis para a sua implementação bem sucedida.
Se é assim, onde está, então o grande drama da eventualidade de, em 2009, assistirmos à impossibilidade de um governo de maioria absoluta? Será o espectro da governação Guterres? Mas Sócrates não é, decididamente, Guterres, nem os anos que se avizinham serão iguais à (ilusoriamente tranquila) segunda metade dos anos 90. Será o espectro do fracasso da experiência de coligação PSD/CDS-PP? Mas do ponto de vista estritamente político o que correu mal nessa coligação não foi tanto a coligação em si - de resto, muito mais solidária e estável do que se imaginaria à partida - mas sim as peripécias ligadas à sua liderança. Deveremos temer a irresponsabilidade dos eleitores, que exigirão de um governo sem maioria intermináveis benesses para compensar os últimos anos? Mas recorde-se foi esse mesmo eleitorado que, em 2004, depois das promessas de subidas de pensões e as reduções de impostos propostas por Santana Lopes para o orçamento do ano seguinte, aplaudiu estrondosamente o seu despedimento sumário às mãos de Jorge Sampaio. E se depois desta governação os eleitores e os interesses sociais exigirem políticas mais consensuais, fruto de maior e melhor diálogo e que canalizem os recursos disponíveis para melhorar a qualidade e equidade das políticas sociais, estarão realmente a pedir algo de irrazoável?
Independentemente daquilo que cada um de nós deseje para cada um dos principais partidos em 2009, o cenário de uma vitória do PS sem maioria absoluta é, de longe, o que parece mais plausível. Isto exige que os partidos de esquerda e centro-esquerda em Portugal pensem desde já nas suas responsabilidades. Uns têm de começar a abandonar os seus complexos em relação ao poder, assim como a pensar duas vezes antes de cavalgarem os protestos na rua como se toda a "boa política" só se pudesse fazer aí. Outros têm de começar a ponderar as consequências da demonização de adversários e de soluções de governo com os quais, quase inevitavelmente, vão ter de conviver. As soluções de compromisso que possam emergir das eleições de 2009 parecerão certamente atraentes a uns e repugnantes a outros. Mas para o bem e para o mal, são aquelas que o sistema consente para se obtenha alguma estabilidade governativa. O vazio, o impasse e a instabilidade seriam, isso sim, o verdadeiro drama.
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