A economia e o voto
Não há teoria sobre o comportamento eleitoral que tenha tanto crédito entre o público em geral como aquela que o explica em função da economia. É simples: os governos são castigados eleitoralmente pelo mau desempenho económico e recompensados pelo bom desempenho. De resto, a ideia de que os governos manipulam a economia por razões de oportunismo eleitoral, adoptando políticas mais ou menos expansionistas consoante a proximidade ou distância das próximas eleições, é hoje uma das principais lentes através da qual se observa e analisa a política. Tudo isto se pode ver e rever na maneira como políticos e comentadores têm reagido à crise financeira internacional, ao aumento dos preços, à desaceleração da economia espanhola e seus efeitos na economia portuguesa e à revisão em baixa das previsões do crescimento económico português. Enquanto Vital Moreira assinalava, há dias, que "a crise económica e o choque petrolífero (...) conjugaram-se para tramar as hipóteses eleitorais de Sócrates nas eleições de 2009, arruinando todos os planos para o último ano de mandato", um dos candidatos à liderança do PSD criticava aqueles que tinham condicionado a sua mobilização interna no partido à súbita possibilidade de derrota do PS trazida pelos recentes sinais de crise.
É verdade que este tipo de abordagem faz bastante sentido em Portugal. Uma das coisas que se sabe sobre o "voto económico" é que ele é tanto mais prevalecente quanto maior for a concentração de poder nos governos. Um sistema parlamentar, num estado unitário, sem um senado, com um governo maioritário monopartidário e apoiado por um grupo parlamentar disciplinado fornecem o cenário ideal para que a atribuição de responsabilidades pela economia seja feita, para o bem e para o mal, exclusivamente ao partido do governo e ao Primeiro Ministro. Se a isto acrescentarmos o reduzido enraizamento social dos partidos em Portugal, a indiferenciação ideológica entre PS e PSD e o grande número de eleitores que não se identificam fortemente com qualquer partido, rapidamente concluímos que tudo se conjuga para que o comportamento de voto em Portugal seja muito afectado por factores de curto-prazo, nomeadamente, pelas oscilações na economia. E é talvez por isto que um estudo recente sobre o tema - The Economy and the Vote, editado pela Cambridge University Press em 2007 - conclui que Portugal é um dos países da UE onde as flutuações na economia têm maior impacto no desempenho eleitoral dos governos.
Contudo, dito isto, talvez fosse conveniente moderar um pouco as certezas que se vão instalando sobre os efeitos da crise anunciada sobre as perspectivas eleitorais quer do governo quer da oposição em 2009. Há três razões principais para alguma cautela. A primeira tem a ver com aquilo que significa "a economia" quando falamos dos seus efeitos eleitorais. Na verdade, uma das conclusões mais interessantes do estudo mencionado anteriormente é que, em Portugal, o aspecto da evolução da economia que mais consistentemente influencia as hipóteses eleitorais dos governos é, de longe, o desemprego. Enquanto o crescimento económico tem um impacto quase irrelevante, as evoluções desfavoráveis na inflação tendem a afectar mais o desempenho dos governos de direita que o dos governos de esquerda. Os mesmos resultados, de resto, já tinham sido encontrados num conjunto de estudos de Linda Veiga e Francisco Veiga, da Universidade do Minho, para o período entre 1986 e 2001. Nada garante, claro, que as actuais previsões de estabilidade ou mesmo de descida da taxa de desemprego para 2009 não acabem por ser também elas revistas. Mas tudo o que sabemos neste momento sobre a relação entre os indicadores da economia e o desempenho eleitoral sugere que, ao contrário do que sucedeu com o mandato do anterior governo PSD/CDS - que presidiu a um aumento da taxa de desemprego de quase três pontos percentuais entre 2002 e 2005 -o actual governo PS terá para apresentar em 2009, no que respeita a esse crucial indicador, uma relativa estabilidade. Se for verdade - como a maior parte dos estudos sugerem - que os eleitores são especialmente sensíveis às tendências de curto-prazo, as "hipóteses eleitorais de Sócrates" podem não estar a ser tão "tramadas" como, dos dois lados da barricada política, se parece supor.
Em segundo lugar, um dos desenvolvimentos mais interessantes deste tipo de estudos tem a ver com a aparente capacidade dos eleitores para fazerem uma distinção, quando usam o desempenho da economia para tomar decisões eleitorais, entre aquilo que é responsabilidade dos governos e aquilo que tende a escapar ao seu controlo. Num livro publicado há apenas dois meses - The Economic Vote, também pela CUP - Raymond Duch e Randolph Stevenson mostram, por exemplo, como os eleitores em economias mais abertas tendem a ter uma percepção maior da dependência da sua economia em relação a desenvolvimentos externos e como, nesses contextos, o "voto económico" é menos prevalecente. Por outras palavras, os eleitores parecem conseguir fazer algum tipo de distinção entre aspectos do desempenho económico que dependem da acção dos governos e aqueles que dependem de choques exógenos. Se Duch e Stevenson tiverem razão, há razões para supor que os efeitos da anunciada desaceleração económica sobre os resultados eleitorais de 2009 poderão ser amortecidos pela percepção de que essa crise tem uma forte componente externa.
Finalmente, a economia está longe de explicar tudo. O Reino Unido - país onde, por excelência, a clareza com que o desempenho daeconomia pode ser atribuída aos governos é especi-almente elevada - dá um exemplo muito interessante a este respeito. Em 1992, a economia britânica dava sinais de estagnação e a taxa de desemprego andava pelos 10 por cento. Em 1997, o desemprego tinha baixado para sete por cento, a inflação permanecia estável em valores baixos e a economia crescia a uns razoáveis 3 por cento. Em 1992, o Partido Conservador liderado por John Major renovou a sua maioria, ganhando as eleições com 42 por cento dos votos. Em 1997, ficou-se pelo 31 por cento, sendo arrasado pelo New Labour de Tony Blair. A lição, simples, é que para que um governo perca eleições, não basta um mau desempenho económico. Mais importante é que a oposição ofereça, ao mesmo tempo, uma alternativa credível. Anteontem ter-se-á eventualmente dado um pequeno passo nesse sentido, pelo menos em relação à situação anterior. Mas daí até o PSD poder ser visto como uma alternativa a este governo vai ainda uma distância considerável. Um ano será suficiente para a percorrer? Haverá previsões para todos os gostos. Mas a verdade é que ninguém sabe.
É verdade que este tipo de abordagem faz bastante sentido em Portugal. Uma das coisas que se sabe sobre o "voto económico" é que ele é tanto mais prevalecente quanto maior for a concentração de poder nos governos. Um sistema parlamentar, num estado unitário, sem um senado, com um governo maioritário monopartidário e apoiado por um grupo parlamentar disciplinado fornecem o cenário ideal para que a atribuição de responsabilidades pela economia seja feita, para o bem e para o mal, exclusivamente ao partido do governo e ao Primeiro Ministro. Se a isto acrescentarmos o reduzido enraizamento social dos partidos em Portugal, a indiferenciação ideológica entre PS e PSD e o grande número de eleitores que não se identificam fortemente com qualquer partido, rapidamente concluímos que tudo se conjuga para que o comportamento de voto em Portugal seja muito afectado por factores de curto-prazo, nomeadamente, pelas oscilações na economia. E é talvez por isto que um estudo recente sobre o tema - The Economy and the Vote, editado pela Cambridge University Press em 2007 - conclui que Portugal é um dos países da UE onde as flutuações na economia têm maior impacto no desempenho eleitoral dos governos.
Contudo, dito isto, talvez fosse conveniente moderar um pouco as certezas que se vão instalando sobre os efeitos da crise anunciada sobre as perspectivas eleitorais quer do governo quer da oposição em 2009. Há três razões principais para alguma cautela. A primeira tem a ver com aquilo que significa "a economia" quando falamos dos seus efeitos eleitorais. Na verdade, uma das conclusões mais interessantes do estudo mencionado anteriormente é que, em Portugal, o aspecto da evolução da economia que mais consistentemente influencia as hipóteses eleitorais dos governos é, de longe, o desemprego. Enquanto o crescimento económico tem um impacto quase irrelevante, as evoluções desfavoráveis na inflação tendem a afectar mais o desempenho dos governos de direita que o dos governos de esquerda. Os mesmos resultados, de resto, já tinham sido encontrados num conjunto de estudos de Linda Veiga e Francisco Veiga, da Universidade do Minho, para o período entre 1986 e 2001. Nada garante, claro, que as actuais previsões de estabilidade ou mesmo de descida da taxa de desemprego para 2009 não acabem por ser também elas revistas. Mas tudo o que sabemos neste momento sobre a relação entre os indicadores da economia e o desempenho eleitoral sugere que, ao contrário do que sucedeu com o mandato do anterior governo PSD/CDS - que presidiu a um aumento da taxa de desemprego de quase três pontos percentuais entre 2002 e 2005 -o actual governo PS terá para apresentar em 2009, no que respeita a esse crucial indicador, uma relativa estabilidade. Se for verdade - como a maior parte dos estudos sugerem - que os eleitores são especialmente sensíveis às tendências de curto-prazo, as "hipóteses eleitorais de Sócrates" podem não estar a ser tão "tramadas" como, dos dois lados da barricada política, se parece supor.
Em segundo lugar, um dos desenvolvimentos mais interessantes deste tipo de estudos tem a ver com a aparente capacidade dos eleitores para fazerem uma distinção, quando usam o desempenho da economia para tomar decisões eleitorais, entre aquilo que é responsabilidade dos governos e aquilo que tende a escapar ao seu controlo. Num livro publicado há apenas dois meses - The Economic Vote, também pela CUP - Raymond Duch e Randolph Stevenson mostram, por exemplo, como os eleitores em economias mais abertas tendem a ter uma percepção maior da dependência da sua economia em relação a desenvolvimentos externos e como, nesses contextos, o "voto económico" é menos prevalecente. Por outras palavras, os eleitores parecem conseguir fazer algum tipo de distinção entre aspectos do desempenho económico que dependem da acção dos governos e aqueles que dependem de choques exógenos. Se Duch e Stevenson tiverem razão, há razões para supor que os efeitos da anunciada desaceleração económica sobre os resultados eleitorais de 2009 poderão ser amortecidos pela percepção de que essa crise tem uma forte componente externa.
Finalmente, a economia está longe de explicar tudo. O Reino Unido - país onde, por excelência, a clareza com que o desempenho daeconomia pode ser atribuída aos governos é especi-almente elevada - dá um exemplo muito interessante a este respeito. Em 1992, a economia britânica dava sinais de estagnação e a taxa de desemprego andava pelos 10 por cento. Em 1997, o desemprego tinha baixado para sete por cento, a inflação permanecia estável em valores baixos e a economia crescia a uns razoáveis 3 por cento. Em 1992, o Partido Conservador liderado por John Major renovou a sua maioria, ganhando as eleições com 42 por cento dos votos. Em 1997, ficou-se pelo 31 por cento, sendo arrasado pelo New Labour de Tony Blair. A lição, simples, é que para que um governo perca eleições, não basta um mau desempenho económico. Mais importante é que a oposição ofereça, ao mesmo tempo, uma alternativa credível. Anteontem ter-se-á eventualmente dado um pequeno passo nesse sentido, pelo menos em relação à situação anterior. Mas daí até o PSD poder ser visto como uma alternativa a este governo vai ainda uma distância considerável. Um ano será suficiente para a percorrer? Haverá previsões para todos os gostos. Mas a verdade é que ninguém sabe.
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