Três subtilezas sobre as eleições europeias
Um dos temas das próximas semanas será o das eleições europeias e os seus prováveis resultados. Pegue-se num qualquer manual de Ciência Política e procure-se um capítulo ou uma secção sobre as eleições para o Parlamento Europeu. Há uma expressão que certamente não faltará: "Eleições de segunda ordem". O conceito, originalmente avançado num artigo de Karlheinz Reif e Hermann Schmitt, significa duas coisas. Por um lado que, para eleitores e agentes políticos, estas eleições tendem a ser vistas como secundárias em relação ao principal combate eleitoral em cada país, nomeadamente, aquele onde se determina quem governa. Por outro lado, que as eleições europeias são combates onde o discurso dos agentes políticos, as opções dos eleitores e os próprios resultados são contaminados pelo que está em jogo na arena eleitoral mais importante - a das legislativas - em vez de serem influenciados por aquilo que, formalmente, estaria em jogo nessas eleições: a composição do Parlamento Europeu.
Daqui decorrem algumas consequências. Primeiro, vota-se menos nas eleições europeias que nas legislativas. Segundo, aqueles que votam fazem-no de maneira diferente. Por um lado, eleitores que teriam incentivos para votar "útil" - preocupando-se mais com afastar determinados partidos do poder do que em votar no partido que mais preferem - têm, nas eleições europeias, menos razões para o fazerem. Por outro lado, eleitores próximos dos partidos de governo mas insatisfeitos com o seu desempenho têm incentivos para sinalizarem esse descontentamento sem correrem o risco de, ao fazerem-no, comprometerem as suas chances eleitorais numa eleição que "realmente conte". O resultado agregado destes comportamentos descreve-se facilmente: maior abstenção, piores resultados para os grandes partidos e, entre estes, piores resultados ainda para os partidos no Governo. Portugal não é excepção a estes padrões. A abstenção nas europeias foi sempre superior à das legislativas. O partido no Governo teve sempre piores resultados nas europeias do que nas legislativas anteriores, e o mesmo sucede com os dois maiores partidos.
Mas há três subtilezas a adicionar a estas conclusões, sublinhadas por três estudos publicados nos últimos anos sobre o tema. A primeira é que a magnitude dessas perdas parece mudar consoante o momento no ciclo eleitoral onde as europeias têm lugar. Na bibliografia sobre o tema há um consenso: quando as europeias se dão pouco tempo depois das legislativas - dentro do chamado período de "lua-de-mel" governamental - a punição para os Governos tende a ser menos expressiva. Contudo, alguns estudos mostram que a punição dos maiores partidos em geral e do partido de Governo em particular volta a ser menor quando as europeias têm lugar no final do ciclo eleitoral, ou seja, mais perto das legislativas subsequentes. O raciocínio é simples: quer para os agentes políticos, quer para os eleitores, na medida em que as europeias sejam vistas como algo mais do que um exercício inconsequente a meio do mandato, os incentivos voltam a mudar. Da parte dos partidos, os esforços de mobilização e de dramatização redobram-se e, da parte dos eleitores, a ideia de que as europeias permitem votar apenas "com o coração" torna-se menos prevalecente. Logo, enquanto os eleitores próximos do partido de governo se sentem menos à vontade para o punir "sem consequências", os eleitores que noutras circunstâncias votariam "sinceramente" têm maiores incentivos para votar útil, voltando a fortalecer os maiores partidos. O caso português dá algum apoio a esta ideia: como mostram André Freire e Efitichia Teperoglou num estudo de 2007 sobre as eleições para o Parlamento Europeu nos países da Europa do Sul, publicado no Journal of Elections, Public Opinion and Parties, as eleições europeias realizadas em Portugal onde as perdas do Governo foram menores foram também aquelas que se realizaram quer nas fases iniciais, quer nas fases terminais dos mandatos governamentais.
A segunda subtileza, revelada num artigo de 2004 de Federico Ferrara e Timo Weishaupt na European Union Politics, é que a magnitude dos ganhos e perdas de qualquer partido - do Governo ou da oposição, grande ou pequeno - nas europeias em relação às legislativas depende também do grau de unidade interna que exibe em relação aos temas europeus, seja essa unidade a favor ou contra a integração. Como explicam os autores, especialmente em temas onde falta informação aos eleitores, quanto menos ambígua for a posição de um partido e quanto mais se transmitir a ideia de que as posições da liderança são claras e apoiadas no interior do partido, maior a capacidade de atrair eleitores ou, pelo menos, mitigar perdas.
A terceira subtileza resulta de um estudo publicado já este ano no British Journal of Political Science, por Sara Hobolt, Jae-Jae Spoon e James Tilley. O que Hobolt e os seus colegas mostram é que os castigos ao Governo variam também de acordo com o tom geral da cobertura mediática das eleições europeias. Como os partidos de governo são geralmente mais pró-europeístas que o eleitor mediano, quanto mais a campanha tiver um tom eurocéptico, mais os eleitores tendem a dar relevo ao tema e à sua distância em relação ao partido de governos nessa matéria, punindo-o eleitoralmente.
Muito do que se vem escrevendo sobre as (más) perspectivas do PS nestas eleições resulta do modelo geral, e deverá estar genericamente correcto: ninguém imagina que o PS possa replicar nas europeias os resultados de 2004 ou 2005. Mas não toma em conta as subtilezas. Em 2004, as europeias tiveram lugar a meio do mandato de um governo que apresentou uma candidatura conjunta de dois partidos cuja unidade interna em relação à Europa era duvidosa, e no rescaldo de uma cobertura mediática da campanha que, em Portugal e fora, foi uma das mais negativas em relação à Europa de que há memória. Em 2009, as atitudes em relação à integração, que certamente se irão reflectir na cobertura da campanha, são hoje, num momento de profunda crise económica, bem menos negativas do que em 2004. A eleição terá lugar no final do mandato. O PS, certamente preocupado com o voto que possa perder para eleitores mais diletantes, já anunciou que as eleições "não são a feijões" e as suas clivagens internas - profundas e reais - não têm a ver com a Europa. Claro que, no meio de tudo isto, a única coisa anómala é o facto de o PSD não ter sequer iniciado a sua campanha nem ter um cabeça de lista. Mas a política tem por vezes - e digo isto sem ironia - razões que a Ciência Política desconhece. Em Junho veremos o saldo de tudo isto.
Daqui decorrem algumas consequências. Primeiro, vota-se menos nas eleições europeias que nas legislativas. Segundo, aqueles que votam fazem-no de maneira diferente. Por um lado, eleitores que teriam incentivos para votar "útil" - preocupando-se mais com afastar determinados partidos do poder do que em votar no partido que mais preferem - têm, nas eleições europeias, menos razões para o fazerem. Por outro lado, eleitores próximos dos partidos de governo mas insatisfeitos com o seu desempenho têm incentivos para sinalizarem esse descontentamento sem correrem o risco de, ao fazerem-no, comprometerem as suas chances eleitorais numa eleição que "realmente conte". O resultado agregado destes comportamentos descreve-se facilmente: maior abstenção, piores resultados para os grandes partidos e, entre estes, piores resultados ainda para os partidos no Governo. Portugal não é excepção a estes padrões. A abstenção nas europeias foi sempre superior à das legislativas. O partido no Governo teve sempre piores resultados nas europeias do que nas legislativas anteriores, e o mesmo sucede com os dois maiores partidos.
Mas há três subtilezas a adicionar a estas conclusões, sublinhadas por três estudos publicados nos últimos anos sobre o tema. A primeira é que a magnitude dessas perdas parece mudar consoante o momento no ciclo eleitoral onde as europeias têm lugar. Na bibliografia sobre o tema há um consenso: quando as europeias se dão pouco tempo depois das legislativas - dentro do chamado período de "lua-de-mel" governamental - a punição para os Governos tende a ser menos expressiva. Contudo, alguns estudos mostram que a punição dos maiores partidos em geral e do partido de Governo em particular volta a ser menor quando as europeias têm lugar no final do ciclo eleitoral, ou seja, mais perto das legislativas subsequentes. O raciocínio é simples: quer para os agentes políticos, quer para os eleitores, na medida em que as europeias sejam vistas como algo mais do que um exercício inconsequente a meio do mandato, os incentivos voltam a mudar. Da parte dos partidos, os esforços de mobilização e de dramatização redobram-se e, da parte dos eleitores, a ideia de que as europeias permitem votar apenas "com o coração" torna-se menos prevalecente. Logo, enquanto os eleitores próximos do partido de governo se sentem menos à vontade para o punir "sem consequências", os eleitores que noutras circunstâncias votariam "sinceramente" têm maiores incentivos para votar útil, voltando a fortalecer os maiores partidos. O caso português dá algum apoio a esta ideia: como mostram André Freire e Efitichia Teperoglou num estudo de 2007 sobre as eleições para o Parlamento Europeu nos países da Europa do Sul, publicado no Journal of Elections, Public Opinion and Parties, as eleições europeias realizadas em Portugal onde as perdas do Governo foram menores foram também aquelas que se realizaram quer nas fases iniciais, quer nas fases terminais dos mandatos governamentais.
A segunda subtileza, revelada num artigo de 2004 de Federico Ferrara e Timo Weishaupt na European Union Politics, é que a magnitude dos ganhos e perdas de qualquer partido - do Governo ou da oposição, grande ou pequeno - nas europeias em relação às legislativas depende também do grau de unidade interna que exibe em relação aos temas europeus, seja essa unidade a favor ou contra a integração. Como explicam os autores, especialmente em temas onde falta informação aos eleitores, quanto menos ambígua for a posição de um partido e quanto mais se transmitir a ideia de que as posições da liderança são claras e apoiadas no interior do partido, maior a capacidade de atrair eleitores ou, pelo menos, mitigar perdas.
A terceira subtileza resulta de um estudo publicado já este ano no British Journal of Political Science, por Sara Hobolt, Jae-Jae Spoon e James Tilley. O que Hobolt e os seus colegas mostram é que os castigos ao Governo variam também de acordo com o tom geral da cobertura mediática das eleições europeias. Como os partidos de governo são geralmente mais pró-europeístas que o eleitor mediano, quanto mais a campanha tiver um tom eurocéptico, mais os eleitores tendem a dar relevo ao tema e à sua distância em relação ao partido de governos nessa matéria, punindo-o eleitoralmente.
Muito do que se vem escrevendo sobre as (más) perspectivas do PS nestas eleições resulta do modelo geral, e deverá estar genericamente correcto: ninguém imagina que o PS possa replicar nas europeias os resultados de 2004 ou 2005. Mas não toma em conta as subtilezas. Em 2004, as europeias tiveram lugar a meio do mandato de um governo que apresentou uma candidatura conjunta de dois partidos cuja unidade interna em relação à Europa era duvidosa, e no rescaldo de uma cobertura mediática da campanha que, em Portugal e fora, foi uma das mais negativas em relação à Europa de que há memória. Em 2009, as atitudes em relação à integração, que certamente se irão reflectir na cobertura da campanha, são hoje, num momento de profunda crise económica, bem menos negativas do que em 2004. A eleição terá lugar no final do mandato. O PS, certamente preocupado com o voto que possa perder para eleitores mais diletantes, já anunciou que as eleições "não são a feijões" e as suas clivagens internas - profundas e reais - não têm a ver com a Europa. Claro que, no meio de tudo isto, a única coisa anómala é o facto de o PSD não ter sequer iniciado a sua campanha nem ter um cabeça de lista. Mas a política tem por vezes - e digo isto sem ironia - razões que a Ciência Política desconhece. Em Junho veremos o saldo de tudo isto.
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